Revisitando o BCE nos seus 20 anos

15 dez 2018

Os 20 anos do BCE

Há 20 anos, mais precisamente a 1 de junho de 1998, nascia o Banco Central Europeu (BCE). A sua origem adveio da criação de uma moeda única - o euro - o que implicou a transferência do poder de decisão da política monetária de um nível nacional dos países adotantes do euro - a AE - para um supranacional e independente.

Neste artigo iremos abordar a composição orgânica, as funções e a missão desta instituição.

Composição orgânica

O BCE constitui a pedra basilar do Eurosistema e do Sistema Europeu de Bancos Centrais. O Eurosistema é composto pelo BCE e pelos Bancos Centrais Nacionais (BCN) dos países da AE, enquanto o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) inclui, para além do BCE, todos os BCN da UE. Estes dois sistemas coexistirão enquanto houver membros da UE que ainda não tenham adotado a moeda única.

O BCE é composto por três órgãos de decisão:
(i) Conselho do BCE - principal instância de decisão; constituído pelos seis membros da comissão executiva e pelos governadores dos BCN da AE. Este órgão formula a política monetária da AE, entre as quais, as decisões sobre o nível das taxas de juro diretoras. Adicionalmente, adota as orientações e toma as decisões necessárias para o desempenho das atribuições do Eurosistema;
(ii) Comissão Executiva - funções de gestão quotidiana; é composto pelo presidente e pelo vice-presidente do BCE e por 4 membros eleitos pelos líderes dos países da AE por um período de 8 anos. Esta estrutura implementa a política monetária, gere as operações correntes, prepara as reuniões do Conselho do BCE e exerce os poderes por este delegado;
(iii) Conselho Geral - papel de consulta e coordenação; é constituído pelo presidente e pelo vice-presidente do BCE e por todos os governadores dos BCN da UE. Esta instância participa nos trabalhos de consulta e coordenação e ajuda a preparar a adesão de novos países à AE.

O BCE possui um elevado grau de autonomia e independência face ao poder político estando salvaguardado no artigo 130.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

2. Principais funções

(i) Define e implementa a política monetária;
(ii) Garante uma supervisão adequada dos mercados e instituições financeiras pelas autoridades nacionais e o bom funcionamento dos sistemas de pagamento;
(iii) Preserva a segurança e a solidez do sistema bancário europeu;
(iv) Detém e gere as reservas cambiais oficiais;
(v) Autoriza a emissão de notas de euro.

3. Missão → Estabilidade de preços

A missão do BCE é a estabilidade de preços, tendo como base jurídica o TFUE (art. 127.º) que decreta “O objetivo primordial do Sistema Europeu de Bancos Centrais, adiante designado "SEBC", é a manutenção da estabilidade dos preços. Sem prejuízo do objetivo da estabilidade dos preços, o SEBC apoiará as políticas económicas gerais na União (…)”. Aquando da criação do BCE, em 1998, a estabilidade de preços era definida pelo crescimento homólogo do IHCP da AE abaixo de 2%. Em 2003, o Conselho do BCE clarificou que esta estabilidade se traduz em níveis de inflação próximos, mas abaixo, de 2% no médio prazo.

Assim sendo, o BCE toma decisões de política monetária de forma a atingir a estabilidade de preços, realçando que o foco é sempre ao nível da AE como um todo. Ademais, este objetivo é simétrico, ou seja, o BCE não tolera níveis sustentados de inflação acima de 2% nem quedas contínuas e generalizadas dos preços (deflação).

3.1 Fundamentos para “próximo, mas abaixo de 2%”

A estabilidade de preços é o objetivo principal do BCE, dado que tanto a inflação elevada como a deflação apresentam malefícios para o crescimento económico.

Um cenário de subida generalizada e persistente dos preços é pernicioso por si só, uma vez que acarreta uma perda do poder de compra (com a mesma quantidade de moeda adquire-se menos bens/serviços) tendendo a uma espiral de subida de preços e, normalmente, a uma maior instabilidade. Desta forma, dificulta a elaboração/execução de planos de investimento pelas empresas com repercussões económico-sociais negativas. Paralelamente, a incerteza associada ao nível e à imprevisibilidade da inflação tende a aumentar os prémios de risco exigidos pelos participantes nos mercados financeiros (nomeadamente através de taxas de juro das obrigações mais elevadas).

Porém, um cenário de queda generalizada e sistemática de preços também não é positivo para a economia, tendendo a uma espiral, neste caso, deflacionista.

Os agentes adiam as suas despesas de consumo porque esperam concretizá-las quando os preços estiverem mais baixos. Esta diminuição do consumo presente acarreta uma queda das vendas das empresas podendo originar o congelamento dos salários ou mesmo despedimentos. Adicionalmente, as empresas suspendem os planos de investimento, uma vez que a expectativa de deflação proporciona um acréscimo da taxa de juro real, originando um aumento do custo dos empréstimos. O mesmo ocorre ao nível das finanças públicas. As receitas fiscais diminuem com a redução do rendimento e do consumo, mas os pagamentos da dívida pública continuam a ter de ser honrados.

Neste contexto, foi instituído que um nível ótimo para a estabilidade preços seria próximo, mas abaixo, de 2%. Desta forma, a inflação é baixa o suficiente para se usufruir da estabilidade de preços, permitindo uma:
(i) Margem de segurança contra a deflação - num ambiente deflacionário, a política monetária convencional (no caso descidas das taxas de juro) pode não ser suficiente para estimular a procura agregada, havendo, também, limites até onde é justificável para um banco central cortar as taxas de juro; neste sentido, um objetivo superior a zero é preferível e reduz a necessidade de se recorrer a medidas de política monetária não convencionais (ex. programas de compras de ativos);
(ii) Margem de medição - devido à metodologia do IHPC o BCE tem em consideração que os reais valores da inflação poderão ser ligeiramente sobrestimados;
(iii) Diferenças entre países - de forma a permitir divergências de níveis de inflação nacionais, evitando que países tendencialmente com inflação mais baixa vivenciem deflação, e vice-versa.

4. Tomada de decisão sobre a política monetária

Com a estabilidade de preços como linha orientadora, o BCE toma as decisões sobre a condução da política monetária tendo em conta a inflação presente mas também a esperada para um futuro próximo (postura “forward-looking”). Tendo em conta que os efeitos das decisões de política monetária podem demorar vários meses até se materializarem, na plenitude, na economia. Deste modo, a tomada de decisão é alicerçada em dois pilares: a análise económica e a monetária.

A análise económica subdivide-se nas vertentes microeconómica e macroeconómica. Na parte microeconómica analisam-se os diversos mercados de bens, serviços e financeiros visando detetar uma evolução anormal dos preços e, em caso positivo, se as causas são temporárias ou permanentes, se advêm do lado da procura ou da oferta e se estão a repercutir-se num aumento das expectativas de inflação. Na componente macroeconómica, é examinada a relação entre a procura agregada e o grau de utilização da capacidade produtiva instalada. Consequentemente, uma utilização da capacidade produtiva acima do seu nível ótimo acarreta pressões inflacionistas.

Já a análise monetária advém da teoria que no longo prazo a inflação resulta essencialmente de um desequilíbrio entre a criação de moeda e a atividade real. Isto é, se a quantidade de moeda em circulação estiver a crescer acima da produção de bens, implicará um excesso de moeda em circulação, conduzindo ao aumento generalizado de preços. Neste âmbito, a autoridade monetária define um crescimento anual da massa monetária de 4,5%.

Tendo em consideração as referidas análises, o Conselho do BCE delibera as alterações (subida/manutenção/ descida), das taxas de juro de referência, isto é, da:
(i) Taxa das operações principais de refinanciamento – associada a operações de mercado aberto regulares, para proporcionar ao sistema bancário o montante apropriado de liquidez, são realizadas sob a forma de leilões semanais nos quais os bancos podem apresentar as suas propostas para a obtenção de liquidez; correntemente a 0%;
(ii) Taxa de facilidade de cedência de liquidez - que permite às instituições de crédito obterem junto dos BCN fundos pelo prazo overnight contra ativos elegíveis; atualmente a 0,25%;
(iii) Taxa de facilidade de depósito - que pode ser utilizada pelas instituições de crédito para constituírem depósitos pelo prazo overnight junto dos BCN do Eurosistema; no momento a -0,40%.

Adicionalmente, se alterações das taxas diretoras não forem suficientes o BCE pode recorrer a medidas não convencionais, tais como:
(i) Orientação futura (forward guidance): comunicação clara por parte do BCE acerca das suas intenções em termos de política monetária; o BCE tem recorrido ao forward guidance desde julho de 2013;
(ii) Programa de compra de ativos/expansão da base monetária: aquisição de uma variedade de ativos, incluindo obrigações de dívida pública, títulos de instituições supranacionais europeias, obrigações de empresas, instrumentos de dívida titularizados e obrigações com ativos subjacentes; esta política teve início em março de 2015;
(iii) Operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas (vulgo TLTRO): concessão de empréstimos de longo prazo a bancos, oferecendo-lhes um incentivo para que disponibilizem mais crédito às empresas e aos consumidores na AE; introduzido pela primeira vez em 2014.

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