No fundo, é respirar fundo e pensar que somos privilegiados. No contexto atual, com tudo o que isso pode representar de claustrofóbico, estar em casa é estar, provavelmente, no sítio onde muitos gostariam de estar, mas não podem. Estar em casa, com a nossa família, pode ser desgastante, em especial quando se tem filhos pequenos, mas representa uma probabilidade maior de estarmos seguros e livres de um perigo que não se vê.
E quem, como eu, tem filhos que têm escolas fechadas e tem um trabalho que lhe permite estar a trabalhar em casa, conheceu esta nova realidade: ser mãe em teletrabalho. E é respirar fundo e tentar fazer o possível, sabendo que vamos falhar, porque não nos é humanamente possível estar em todas as frentes, todos minutos. E sermos tão boas profissionais, como mães, como professoras, como animadoras, como donas de casa. Tudo isto no mesmo dia, ao mesmo tempo, com a mesma exigência. Não é possível.
Das semanas que já se passaram em teletrabalho com os meus filhos, de um e dois anos, há uma lição importante a tirar: há coisas que vão ser impossíveis e, mesmo assim, vamos estar próximo de as conseguir. Com as rotinas instaladas e a tentativa de dividir horários de trabalho efetivo entre pai e mãe, com o desejo de fazer atividades com os miúdos, treinar, fazer sopas e bolos, ter a casa arrumada, responder aos pedidos urgentes, atender telefonemas complicados… Uma coisa é certa: alguma coisa não vai dar certo.
Vamos ter aquela reunião, em Zoom, com o diretor, com um dos miúdos ao colo, vamos queimar o arroz de peixe, vamos estar sem imaginação para brincarmos, sem energia para, quando eles se deitam, acabar tudo que ficou por acabar. Vamos sobretudo falhar, e quando falharmos é importante saber que estamos a fazer o melhor que conseguimos.
Porque o teletrabalho é vivido com uma intensidade que nunca o trabalho foi, deixa de ter hora, está sempre presente, no mail, no WhatsApp, nas reuniões online, onde também importa estar apresentável. E a urgência nunca foi tão premente, o planeamento é ultrapassado pelas contingências de um contexto, que muda a cada cinco minutos. E todos estamos a tentar fazer o melhor.
Mesmo quando à intensidade profissional se soma o desgaste da energética vida familiar, no fim de um dia, resta somar tudo o que não deu certo e, no dia a seguir, começar por essas coisas. Algumas vão ficar inacabadas, adiadas, outras não. Somos, apenas, pessoas a tentar fazer o melhor. E todas as noites, ao deitar, tento lembrar-me da privilegiada que sou por estar em casa, mesmo que o esqueça na primeira birra da manhã.
Há coisas que não vão dar certo, mas no balanço de tudo, ainda conseguimos fazer, com orgulho, o trabalho que nos pediram, e os miúdos comeram, tomaram banho e deitaram-se a horas. E se isto não é fazer o impossível, então não sei o que seja. E quando me faltar o ar, é respirar fundo e saber que estou no sítio mais seguro onde poderia estar: em casa, a ser mãe e a trabalhar.
Rita Dias Ferreira
Técnica de Comunicação na Caixa Geral de Depósitos