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Bens e ativos recebidos por morte de um familiar não são imediatamente divididos pelos herdeiros. Enquanto não se fazem as partilhas, a herança permanece como um todo indiviso em que cada herdeiro possui, não uma parte específica, mas sim uma fração de propriedade. É a chamada herança indivisa, que só termina quando é feita a divisão de bens.
Saiba o que fazer com o património que permanece na indivisão e que obrigações passa a ter neste período intermédio, enquanto não se fazem as partilhas.
O que é a herança indivisa?
Quando morre um titular de uma herança dá-se, imediatamente, a chamada “abertura da sucessão” em que os direitos e obrigações dos herdeiros recaem sobre a herança como um todo. Embora aceitem a herança, enquanto esta não for partilhada continuará indivisa. Trata-se portanto, de uma fase intermédia do processo de bens e ativos a herdar.
O que diz a lei
A herança indivisa diz respeito ao conjunto de bens, direitos ou relações jurídicas que integram o património deixado pela pessoa que faleceu e que ainda não foi partilhado. É uma fase intermédia do processo de distribuição dos bens a herdar. O património pode manter-se indiviso até 5 anos, de acordo com o n.º 2 do artigo 2101.º do Código Civil.
Nesta situação, os herdeiros não podem reivindicar partes individuais de forma independente. Ficam sujeitos à partilha igualitária dos bens e das responsabilidades associadas à herança, à exceção das obrigações que se extinguem pela morte do autor da sucessão. Como requer o consentimento de todos os herdeiros, a partilha de uma herança indivisa pode tornar-se num processo complexo.
São exemplos de bens herdados:
- Bens imóveis (como casas, terrenos, sepulturas, jazigos);
- Bens móveis (como automóveis, motas, barcos, armas, ouro; obras de arte);
- Outros bens (direitos de autor, contas bancárias; ações, dinheiro, quotas em empresas, estabelecimentos, títulos, certificados de dívida;
- Dívidas, hipotecas; penhores, pensões, rendas, impostos.
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Prazo para a herança permanecer indivisa
O direito de exigir a partilha de herança é regulamentado pelo artigo 2101.º do Código Civil, que estabelece a impossibilidade de renúncia e o direito dos herdeiros exigirem a divisão de bens quando entenderem. Ainda assim, o património pode continuar indiviso até cinco anos. Esse prazo pode ser renovado uma ou mais vezes, mediante acordo entre os herdeiros.
Os herdeiros
A lei determina dois tipos de herdeiros: os legítimos e os legitimários. O que os distingue é se existe testamento ou não.
Não existindo testamento, os herdeiros legítimos são as pessoas ou entidades que vão assumir a responsabilidade pelo património da pessoa falecida onde se incluem o cônjuge, descendentes, ascendentes e o Estado.
Podem herdar o património os seguintes parentes, por esta ordem:
- Cônjuge e os descendentes (filhos ou netos da pessoa falecida, se não houver filhos);
- Cônjuge e os ascendentes (pais ou avós da pessoa falecida, se não houver pais);
- Irmãos e seus descendentes (sobrinhos da pessoa falecida);
- Outros familiares até ao quarto grau (primos direitos, tios-avós e sobrinhos-netos do falecido);
- Caso não se verifique nenhuma destas situações, o Estado torna-se no herdeiro.
Tome Nota:
Se o autor da sucessão estiver em processo de divórcio ou de separação judicial à data da morte, os seus herdeiros podem dar continuidade ao processo. Se o divórcio acontecer, o então ex-cônjuge não é chamado à herança.
E quando há testamento?
Perante a existência de um testamento, os herdeiros são legitimários. Podem herdar alguns bens da pessoa falecida entidades, assim como pessoas individuais, sem qualquer laço familiar com o autor da sucessão. Para isso, é necessário que exista um testamento onde conste, inequivocamente, quem herda e o quê.
Contudo, o facto de existir um testamento não quer dizer que a pessoa falecida possa deserdar os herdeiros legítimos. Segundo a lei portuguesa, o cônjuge, descendentes e ascendentes têm prioridade na partilha de bens e a sua quota encontra-se legalmente definida, é a chamada “quota indisponível” ou “quota legítima”.
A parte da herança que pode ser atribuída por testamento, a quem o seu autor quiser, é a “quota disponível” e varia conforme os herdeiros legitimários que existam:
- Se o único herdeiro legitimário for o cônjuge: tem direito a 50% da herança. A quota disponível é a outra metade;
- Se houver cônjuge e filhos: a quota legítima são dois terços da herança;
- Se não tiver cônjuge mas tiver filhos: a quota legítima destes é de metade ou dois terços da herança, conforme exista um só filho ou existam dois ou mais;
- Sem descendentes, mas com um cônjuge e ascendentes: a quota legítima é de dois terços da herança.
Quem gere a herança indivisa?
A administração da herança até à sua liquidação e partilha é feita pelo cabeça de casal que, na prática, é o herdeiro legítimo mais próximo. É responsável por tratar de todos os assuntos relacionados com a herança até que seja feita a respetiva partilha.
A partilha da herança deve ser feita por mútuo acordo e deve ser oficializada numa conservatória ou cartório notarial.
E se não houver acordo?
A lei civil permite que qualquer herdeiro ou cônjuge possa exigir a partilha. Neste sentido, não existindo consenso e se um dos herdeiros quiser avançar com a partilha dos bens, tem de recorrer à via judicial, através de um processo de inventário.
De acordo com o artigo 2102.º do Código Civil, recorre-se ao inventário quando:
- Não existe acordo de todos os interessados na partilha;
- O Ministério Público entende que se realize em defesa de um herdeiro sem capacidade jurídica;
- Algum dos herdeiros não pode, por motivo de ausência em parte incerta ou de incapacidade de facto permanente, intervir em partilha realizada por acordo.
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Encargos da herança indivisa
Caso existam, os bens da herança indivisa devem cobrir as seguintes despesas:
- Despesas com o funeral e sufrágios do seu autor;
- Encargos com testamentário, administração e liquidação do património hereditário;
- Pagamento das dívidas do falecido;
- Cumprimento dos legados (bens que, por testamento, são atribuídos a certas pessoas; por exemplo, a casa X fica para o familiar Y).
Obrigações fiscais
Enquanto não existir a partilha de bens entre os herdeiros, há obrigações fiscais referentes à herança indivisa que têm de ser cumpridas. É por essa razão que uma herança indivisa tem sempre associado um Número de Identificação Fiscal (NIF). O cabeça de casal pode obter esta referência tanto nas Finanças como num Balcão de Heranças.
Obrigações fiscais
A herança indivisa não está sujeita ao pagamento de IRS, mas o mesmo não acontece aos rendimentos a que possa dar origem.
Tratando-se de uma herança indivisa com rendimentos agrícolas, pecuários, silvícolas, industriais ou comerciais, é da responsabilidade do cabeça de casal apresentar, na sua declaração anual de IRS (anexos B, C e I), a totalidade dos lucros ou prejuízos resultantes da herança, identificando os outros herdeiros e a quota-parte correspondente a cada um. Por seu lado, os contitulares estão obrigados a declarar os rendimentos da herança identificando o cabeça de casal (anexo D). Confira cada passo desta declaração neste video da Autoridade Tributária.
Para outras categorias de rendimento pelas quais a herança indivisa possa ser composta - tais como rendas, juros ou mais-valias - o processo declarativo é mais simples.
Cada herdeiro deve declarar a sua quota-parte nos rendimentos gerados, preenchendo o anexo correspondente à categoria dos rendimentos. Nesta situação, o cabeça de casal não precisa de declarar a totalidade.
Imagine que pretende vender o quinhão que lhe cabe na herança indivisa ou seja que ainda não foi dividida entre os herdeiros. Sem esta partilha, há fortes probabilidades de ficar isento do imposto sobre o ganhos que obtiver na venda. Mesmo assim, o conselho é confirmar essa isenção junto do Fisco.
IMI e AIMI
O pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) na herança indivisa é uma obrigação do cabeça de casal. Porém, se os bens herdados não forem suficientes para liquidar este imposto, na altura da partilha o cabeça de casal tem direito a receber dos restantes herdeiros aquilo que pagou de IMI além da sua quota-parte.
Por outro lado, uma herança indivisa é equiparada a pessoas coletivas (ou seja, empresas). Por isso, na qualidade de proprietárias, usufrutuárias ou superficiárias de prédios urbanos situados no território português, os imóveis que as integram só são tributados pelo Adicional ao IMI (AIMI) quando a soma dos valores patrimoniais tributários exceda os 600 mil euros.
Pode contudo, ser benéfico tributar o património imobiliário na esfera individual de cada herdeiro. Isto, caso, feita a divisão, o valor patrimonial tributário (VPT) não chegue aos 600 mil euros. Deste modo, os herdeiros ficam isentos do pagamento deste imposto, devendo, contudo, preencher uma declaração à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) identificando os herdeiros e as respetivas quotas na herança.
Tome Nota:
O valor patrimonial tributário (VPT) é o valor de um imóvel para as Finanças. O seu cálculo é feito com base em vários fatores que vão desde as características do próprio imóvel às características da zona envolvente.
Imposto do Selo
Transmissões gratuitas de bens, como heranças, estão sujeitas ao pagamento do imposto do selo que corresponde a 10% do valor herdado. Todavia, encontram-se isentos do imposto sobre a herança:
- Cônjuge;
- Unidos de facto;
- Ascendentes (pais, avós);
- Descendentes (filhos, netos).
Os restantes beneficiários – como os irmãos ou os sobrinhos da pessoa falecida – têm de pagar o Imposto do Selo. Isentos ou não do pagamento de impostos, todos os herdeiros legitimários têm de declarar os bens herdados às Finanças, preenchendo o Modelo 1 e os respetivos anexos.
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