Analisando os componentes que constituem a palavra, microcrédito consiste num crédito de pequeno montante. No entanto, sendo o todo, por regra, sempre mais do que a soma das partes, o conceito encerra, também ele, muito mais que os elementos que compõem a palavra.
Micro:Elemento que significa muito pequeno.
Crédito: O mesmo que empréstimo.
O microcrédito não é apenas um crédito bancário de pequeno valor. É um instrumento de financiamento para pessoas e negócios normalmente excluídos do sistema bancário tradicional ou com dificuldades no acesso a financiamento, mormente por não poderem oferecer garantias de bens reais, constituindo-se, por isso, como ferramenta de coesão social, na medida em que funciona como mecanismo de inclusão social.
Como é do conhecimento da generalidade das pessoas, a paternidade do conceito de microcrédito, é atribuída a Muhammad Yunus, economista do Bangladesh, que levou à prática uma experiência de empréstimos de pequeno valor.
Inicialmente, com recursos próprios, concedia-os coletivamente a grupos em situação de extrema pobreza, apenas com o compromisso do reembolso quando o grupo estivesse em condições de fazê-lo. O sucesso da experiência no combate à pobreza e exclusão social, e a consequente criação do Grameen Bank, veio a render-lhe o Premio Nobel da Paz em 2006.
Constituindo-se, originalmente, e na experiência de Yunus, como ferramenta de combate à pobreza, em alguns países o microcrédito deu, paulatinamente, lugar a uma ferramenta que, pese embora concorra para o combate à pobreza, se constitui cada vez mais como política de financiamento, como é o caso de Portugal.
SOU MAIS, o Programa Nacional de Microcrédito
Em Portugal, o microcrédito entra pela mão da Associação Nacional de Direito ao Crédito, em 1998, como instrumento de promoção de inclusão social, sendo posteriormente apropriado por um leque mais alargado de atores, púbicos e privados.
Em 2005 é celebrado o Ano Internacional do Microcrédito e em 2006 é atribuído o Nobel a Yunus. Vão sendo promovidas condições favoráveis para as práticas de microcrédito, que é, crescentemente, assumido como um direito a garantir por todos os países civilizados.
Em 2010, é tomada, em Portugal, a decisão de lançar um programa nacional de microcrédito, destinado a fomentar a criação de emprego e o empreendedorismo entre as populações com maiores dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, beneficiando, preferencialmente, desempregados que pretendam desenvolver uma atividade por conta própria, para a qual necessitem de um empréstimo de baixo valor e ao qual não consigam aceder junto das instituições financeiras.
Em 2011 é criado o Programa Nacional de Microcrédito (PNM), assente na linha de crédito Microinvest, que completou, no passado dia 28 de janeiro, 10 anos de execução.
O PNM, que não foge às premissas do modelo de microcrédito existente nos demais países da Europa, consiste no apoio à concretização de projetos, através da facilitação do acesso ao crédito, através de um financiamento de pequeno montante, a grupos que, de outra forma, teriam mais dificuldade em criar o seu próprio negócio ou alavancar a atividade.
Como evoluiu o PNM?
Sob gestão da CASES, em articulação direta com o IEFP, o Programa, a que se deu o nome comercial SOU MAIS, teve inicialmente como destinatários pessoas em risco de exclusão social, tendo sido alargado, no ano seguinte, a microentidades e cooperativas com até 10 trabalhadores. Este alargamento trouxe não apenas o aumento do universo de potenciais utilizadores da linha, mas, em particular, a valia de o fazer ao universo responsável por 46,7% do emprego em Portugal (dados de 2018).
A simplificação dos instrumentos, como o dossier de negócio que foi construído exclusivamente para este Programa, e o acompanhamento prestado aos empreendedores, são componentes que têm concorrido para o gradual e contínuo crescimento que o SOU MAIS tem registado ao longo do tempo.
Nestes 10 anos de execução, passaram pela CASES mais de 2 mil candidaturas ao Programa e foram emitidas mais de 1,7 mil validações de projetos para acesso a financiamento. Destas validações, foram aprovados e financiados 867 projetos pelas várias entidades bancárias protocoladas, correspondentes a um montante global de financiamento de mais de 13,4 milhões de euros, que permitiram a criação de cerca de 1,3 mil postos de trabalho.
Um recurso de enorme potencial
Destes projetos, 68% permitiram a criação do próprio emprego dos seus promotores e 32% apoiaram a expansão e consolidação da atividade de microempresas e microentidades já constituídas.
O Microcrédito encerra um potencial imenso, que importa divulgar e dar a conhecer a públicos que normalmente não recorrem a ele. Mas impulsionar, alavancar a utilização desta linha, não passa apenas pelo reforço da divulgação, passa por diversificar soluções e por reforçar as condições de desenvolvimento, sendo disso exemplo a parceria entre a CASES e a CGD, que tem por objetivo a dinamização do microcrédito, numa perspetiva de dar resposta aos projetos que não tem enquadramento no SOU MAIS.
Nem todos somos empreendedores, nem todos temos ideias de negócio ou queremos concretizar um projeto. Mas é importante que todos aqueles que o são, todos aqueles que pretendem transformar uma ideia de negócio numa realidade, possam dispor de um instrumento facilitador, que permita que projetos - muitos deles projetos de uma vida – se transformem em realidade.
Esse instrumento pode e deve ser o microcrédito.
Carla Ventura
Vice-presidente da CASES, Cooperativa António Sérgio para a Economia Social