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Estagflação: saiba o que significa e até que ponto o risco é real

O Banco e Eu

Poderemos enfrentar um cenário de estagflação, uma combinação de inflação elevada crescimento nulo e aumento do desemprego. 26-05-2022

Tempo estimado de leitura: 8 minutos

A guerra na Ucrânia veio aumentar o clima de incerteza sobre o futuro da economia europeia. Será fundamentado o receio de um cenário de estagflação?

O conflito ainda em curso trouxe um agravamento nos preços das matérias-primas, redução da confiança dos agentes económicos, turbulência nos mercados financeiros. Em Portugal, as consequências já são visíveis na subida dos preços dos combustíveis, da energia, dos transportes, dos produtos alimentares, entre outros.

Mas será que neste momento em que a guerra ameaça as economias, corremos um risco real de estagflação? Em que consiste este fenómeno? E, a concretizar-se, qual o seu impacte?

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O que é a estagflação?

Estagflação significa, de uma forma sucinta, que a economia de um país apresenta, simultaneamente, um cenário de inflação, estagnação do desenvolvimento económico e aumento do desemprego.

A combinação destes três fatores, caso ocorra, resulta numa mistura explosiva com fortes implicações na vida das famílias e empresas.

Um cenário de estagflação corresponde a uma crise económica com graves consequências no mercado de trabalho e um aumento significativo dos níveis de pobreza. As dificuldades de acesso a matérias-primas e no escoamento da produção industrial podem conduzir a uma paralisação da malha produtiva. Os efeitos fazem-se sentir em desemprego e depreciação grave do valor do salário.

Ou seja, aumento dos preços, menor poder de compra das famílias, menor investimento e menores margens de lucro por parte das empresas, com efeitos no mercado de ações, são consequências claras da estagflação.

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Portugal está em risco?

O presidente do Banco de Portugal, Mário Centeno advertiu, em entrevista à Bloomberg, que um “cenário próximo da estagflação não está fora das possibilidades que podemos enfrentar”. Por esse motivo, acrescentou, é necessário “ajustar as nossas políticas a essa possibilidade”, incluindo a política monetária.

Já durante a sua intervenção na Conferência “Portugal: objetivo crescimento”, Mário Centeno afirmou “parecer inescapável um período de crescimento nulo e inflação elevada”, mas mostrou-se mais otimista quanto a um eventual aumento do desemprego.

"A definição de estagflação, nos livros de economia e a experiência histórica deste fenómeno, implica também um impacto no mercado de trabalho”, situação que o presidente do BdP não antecipa “que possa acontecer”.

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Como estão os 3 indicadores de estagflação em Portugal?

Para haver estagflação, três fatores ocorrem em simultâneo. Desde logo, subida da inflação, crise no desenvolvimento económico e aumento do desemprego. De seguida, mostramos-lhe como se encontra, atualmente, cada um destes fatores em Portugal.

Inflação em níveis elevados

Segundo o Banco de Portugal a inflação aumenta em 2022 para 4%, em reflexo da subida do preço das matérias-primas e dos constrangimentos nas cadeias de abastecimento globais.

De acordo com as projeções macroeconómicas elaboradas por especialistas do Banco Central Europeu (BCE) em março 2022,  “as perspetivas para a atividade e a inflação na área do euro tornaram-se muito incertas e dependem fundamentalmente da evolução da guerra da Rússia na Ucrânia e do impacto das atuais sanções”.

Nas projeções de referência, o BCE considera que a inflação global irá permanecer “em níveis muito elevados nos próximos meses, descendo depois lentamente”.

Em média, a inflação global será de 5,1% em 2022 e de 2,1% em 2023.

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Produto Interno Bruto a crescer

Quanto à economia portuguesa, mantém um perfil de crescimento em 2022 e nos anos seguintes, de acordo com o último Boletim Económico, do BdP. O Produto Interno Bruto (PIB) cresce 4,9% em 2022, 2,9% em 2023 e 2% em 2024.

De uma forma geral, a atividade económica “beneficia de maiores recebimentos de fundos da União Europeia e da manutenção de condições financeiras favoráveis”, ainda que se antecipe uma subida gradual das taxas de juro.  

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“Mercado de trabalho continua a ganhar força”

Para já, o indicador mais favorável que parece poder evitar um cenário de estagflação é o mercado de trabalho que “continua a ganhar força”, de acordo com as projeções do Banco Central Europeu para a área do euro. Os especialistas do BCE garantem que “o emprego registou um crescimento de 0,5% no quarto trimestre de 2021, tendo-se verificado uma nova descida da taxa de desemprego”.

Além disso, consideram que “é provável que a taxa de desemprego seja afetada negativamente no curto prazo, mas projeta-se que, em termos médios anuais, desça para 7% em 2024. Esta descida é impulsionada sobretudo pela forte procura de mão-de-obra, em consonância com a recuperação económica em curso”.

Também o Boletim Económico do Banco de Portugal indica que “continua a assistir-se a um aumento do emprego no nosso país”, com a taxa de desemprego a diminuir para “5,9% em 2022 e 5,7% e 5,6% nos dois anos seguintes”.

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Em que períodos se viveu um cenário de estagflação?

O mais recente período de estagflação ocorreu na década de 70, devido a dois choques petrolíferos, em 1973 e 1979. A subida acentuada dos preços dos combustíveis fez disparar a inflação e a Europa entrou numa fase de estagnação, uma combinação de recessão com aumento dos preços.

Este cenário teve como consequência inúmeras falências e a crise de indústrias na área da siderurgia, têxteis, ou metalurgia. Com a crise na indústria, veio o aumento do desemprego.

Durante a década de 70, a taxa de desemprego aumentou de 4% para 9% e a inflação subiu de 1% para 11%.

Depois deste período, a estagflação não voltou a ser um problema na Europa. Os governos e os bancos centrais passaram a avaliar e a intervir sempre que necessário, controlando a inflação e evitando políticas que pudessem vir a desencadear cenários de estagflação.

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Como evitar a estagflação?

Robert Mundell que ganhou o prémio Nobel da Economia, em 1999, defendeu no início da década de 70, que a estagflação podia ser combatida deixando os bancos centrais controlarem a inflação, enquanto taxas fiscais mais baixas aumentariam a produção. A sua visão permanece influente até aos dias de hoje.
Evitar um cenário de estagflação é uma tarefa difícil que cabe aos governos e aos bancos centrais. Uma das soluções pode passar por reduzir a dependência das economias do petróleo. O aumento do seu custo pode ser um fator de estagflação.

O Banco Central, por sua vez, pode aumentar as taxas de juros para reduzir a inflação. Pode ainda fazê-las baixar com vista ao crescimento económico e combate ao desemprego. Políticas que aumentem a produtividade são também eficazes para alavancar o crescimento económico.

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