“A poupança resulta de uma decisão informada das famílias”
João Calado é professor do ISEG e coordena o GOEC, Gabinete de Orientação ao Endividamento dos Consumidores, desde 2006, altura em que foi fundado. O responsável falou com o Saldo Positivo sobre a poupança dos portugueses e seu impacte na Economia.
Como descreve a evolução do endividamento nacional?
A Economia portuguesa é uma Economia com um elevado grau de endividamento. Se entre 2007 e 2011 o forte crescimento da dívida total do setor não financeiro, em termos nominais, e em percentagem do PIB levantava sérias dúvidas sobre a sua sustentabilidade, a partir de 2012, o endividamento da economia, embora mantendo sempre uma ligeira tendência de subida em termos nominais, apresentou uma maior estabilidade e sofreu uma redução substancial quando calculado em percentagem do PIB. O elevado endividamento da economia é, portanto, uma condicionante a ter em conta na situação económica de Portugal, mas a evolução dos últimos anos conduziu-nos para uma situação menos urgente e que nos permite acreditar na sua sustentabilidade, embora, sempre, sob vigilância.
Quais os principais fatores que levam as famílias ao endividamento?
O endividamento, ou seja, o recurso ao crédito tem os mais variados motivos mas, genericamente, deve-se à aquisição de habitação própria, à aquisição de um veículo, à realização de obras em habitação e ao consumo de bens e serviços. Em situações limite, as famílias podem recorrer ao crédito para fazer face a imprevistos.
Mas muitas pessoas não sabem a diferença entre ter dívidas pontuais, ou viver um contexto de inadimplente, e estar endividado. O que configura uma situação de endividamento?
Quando uma família contrai um empréstimo, ou recorre a um cartão de crédito, fica imediatamente endividada. O endividamento em si não é um problema - se for planeado pela família em função do seu orçamento familiar e com fins muito específicos. Por exemplo, a aquisição de habitação própria. O grave é quando o recurso ao crédito é excessivo e, em resultado disso, a família não gera os rendimentos suficientes para solver todos os créditos contraídos. Neste caso, a família diz-se sobre-endividada. A família, nesta situação, vê-se incapaz de cumprir com os seus compromissos financeiros e poderá, no limite, ter de solicitar a insolvência perdendo, assim, a totalidade do seu património acumulado.
E como avaliam os indicadores de poupança nesta relação com o endividamento?
A taxa de poupança em Portugal ao longo do período de convergência para a área euro apresentou uma forte queda e, posteriormente, tem apresentado uma evolução no sentido da baixa, embora com algumas flutuações. No último ano, a taxa de poupança das famílias terá atingido o valor mais baixo de sempre e, em 2019, apresenta valores a rondar os 5% do rendimento disponível. Contextualizando, Portugal é um dos países da zona euro com uma taxa de poupança significativamente abaixo da média registada nos países da zona euro, o que é motivo de alguma preocupação. O crescimento do endividamento resulta de muitos dos fenómenos que também contribuem para a redução da taxa de poupança, por exemplo, a facilidade de acesso ao crédito e o crescente do consumismo. Portanto, existe uma ligação entre a evolução registada destes dois indicadores.
“A GOEC atua na formação, sensibilização e acompanhamento das famílias”
O que tem vindo a ser feito para incentivar a poupança? A GOEC considera-o suficiente?
Em Portugal, praticamente, nada tem sido feito para incentivar a poupança. A última iniciativa digna de referência é a criação do Regime Público de Capitalização (RPC) em 2008, o chamado” PPR do Estado”. O RPC é um regime complementar de adesão individual e voluntária, que permite efetuar contribuições adicionais ao longo da vida ativa do aderente, que serão capitalizados numa conta em seu nome e convertidos em certificados de reforma.
Existem bons exemplos nesta matéria? Quais?
Um exemplo a acompanhar é o do Reino Unido que, reconhecendo a importância de estimular as poupanças e assumindo esse compromisso ao nível do Estado, adotou uma iniciativa governamental designada por Lifetime ISA (Individual Savings Account). As poupanças aplicadas pelas famílias no ISA são majoradas em 25% até um máximo de £1000 por ano. Esta iniciativa destina-se a jovens com mais de 18 anos e menos de 40 anos. A poupança pode ser mobilizada para aquisição da primeira habitação, em caso de doença grave terminal ou aos 60 anos de idade. A majoração da poupança, embora tenha custos orçamentais, pode ser uma das formas mais eficazes para estimular a poupança. Em alternativa, poderia ser substituída por benefícios fiscais estáveis (a estabilidade é fundamental) e apelativos para as famílias. Uma opção obviamente também com impacto nas receitas do Estado.
Qual o vosso papel para apoiar uma família endividada?
O Gabinete de Orientação ao Endividamento dos Consumidores (GOEC) foi criado em 2006, numa parceria entre o Instituto do Consumidor (atual Direção Geral do Consumidor) e o ISEG. Neste momento, é uma das entidades integrantes na Rede de Apoio ao Consumidor Endividado (RACE), sendo financiado pelo Fundo para a promoção dos direitos dos consumidores, e como tal prestamos todo o serviço de forma gratuita e isenta. A nossa intervenção passa pela formação, pela sensibilização e, muito especialmente, pelo acompanhamento das famílias endividadas na procura de soluções para os seus casos.
Existe algum acompanhamento para as famílias que o pretendam prevenir?
O GOEC foi criado para auxiliar na regularização de situações de sobre-endividamento, mas também para as prevenir. Ou seja, um dos nossos objetivos é acompanhar e aconselhar as famílias que não estão sobre-endividadas para evitar que as decisões a tomar conduzam a uma situação de endividamento insustentável. Destacamos ainda as ações de sensibilização dirigidas às famílias em geral e a alguns grupos em particular. Por exemplo, temos implementado ações de sensibilização para alunos do 1º ciclo, mediante a realização de um jogo didático denominado “Jogo do Poupinhas”. Os alunos aprendem a fazer um orçamento familiar, a decidir e a priorizar em função das necessidades e a poupar. Neste caso, a prevenção é dirigida aos muito jovens que ficam sensibilizados para o futuro e acabam - muitas vezes- por transmitir aos pais a importância das questões financeiras.
Quais as principais dicas para poupar de maneira eficaz?
Poupar permite às famílias uma maior liberdade no futuro para realizar projetos, atender a emergências ou para garantir uma vida mais confortável e tranquila na reforma. A poupança resulta de uma decisão informada das famílias. Por isso, para poupar de maneira eficaz há, antes de mais, que obter informação relevante para a decisão de poupar e, a melhor forma de o fazer é elaborar um orçamento familiar. Um orçamento familiar permite estabelecer metas de poupança e, o acompanhamento da sua execução permite identificar despesas inúteis ou irrelevantes. Há que estabelecer metas realistas, mas ambiciosas, e comprometer a família com essas metas. Posteriormente, há que definir claramente a forma como a poupança vai ser aplicada. Para a poupança valorizar, é fundamental que seja aplicada e que gere rendimentos. Aqui aconselha-se alguma prudência. Taxas de rendimento mais elevadas estão sempre associadas a mais risco e, isso poderá implicar a perda de parte ou da totalidade das poupanças.
Quais os principais sinais de que alguém começa a entrar em zonas de endividamento?
O problema não é o endividamento, mas sim o endividamento excessivo. O grave é quando o recurso ao crédito é excessivo e, em resultado disso a família não gera o rendimento suficiente para solver todos os créditos contraídos. Neste caso, a família diz-se sobre-endividada. Nesta situação, a família vê-se incapaz de cumprir com os seus compromissos financeiros e, no limite, pode ter de solicitar a insolvência perdendo, assim, a totalidade do seu património acumulado. Sinais de alarme a considerar: dificuldades em chegar ao fim do mês, especialmente, devido à prestação daquele último crédito; recurso ao crédito para o pagamento de despesas correntes; recurso ao crédito para o pagamento de prestações de outros créditos. Esta última prática - completamente desaconselhável - nenhuma família deverá recorrer.
O que fazer nessas alturas?
Na presença de pelo menos um daqueles sinais, as famílias devem de imediato iniciar uma prática de elaboração do orçamento familiar; reavaliação de todas as despesas e dos créditos contratados. Não conseguindo perspetivar, com base nessa primeira análise, uma situação de maior equilíbrio, devem recorrer a uma instituição da rede RACE, por exemplo o GOEC, e procurar apoio. Por fim, é fundamental mobilizar toda a família para a implementação das medidas que forem consideradas necessárias. Algumas dessas medidas podem ser bastante difíceis de seguir sem o empenho de todos. Na presença dos três sinais - em simultâneo -, o conselho é que recorram de imediato a uma das instituições da rede RACE.
As principais dicas para uma poupança eficaz:
- Obter informação relevante para a decisão de poupar;
- Elaborar um orçamento;
- Estabelecer metas realistas de poupança;
- Acompanhar a sua execução;
- Identificar despesas inúteis;
- Definir melhor forma aplicar poupança;
- Ser prudente: taxas de maior rendimento envolvem maior risco
Uma Parceria que resultou em projeto
O Gabinete de Orientação ao Endividamento dos Consumidores (GOEC) foi criado em 2006, numa parceria entre o Instituto do Consumidor (atual Direção Geral do Consumidor) e o ISEG. O GOEC integra a Rede de Apoio ao Consumidor Endividado (RACE), sendo financiado pelo Fundo para a Promoção dos Direitos dos Consumidores. Prestam todo o serviço de forma gratuita e isenta com ações de formação, sensibilização e acompanhamento das famílias endividadas na procura de soluções.
Pode consultar e recorrer ao GOEC através dos seguintes contactos:
GOEC
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