divisão de bens

Heranças

Como resolver conflitos
com divisão de bens?

Leis e Impostos

Todas as pessoas conhecem histórias de famílias desavindas por causa de partilhas. Saiba como evitar este problema. 20-02-2017

Todos nós conhecemos histórias de famílias desavindas por questões relacionadas com a divisão de bens. Mas como podem resolver conflitos desta natureza e garantir que as relações pessoais e familiares não ficam beliscadas por causa de uma herança?

Foi exatamente para responder a esta questão que o Saldo Positivo falou com Beatriz Valério, especialista em direito da família e das sucessões da sociedade de advogados PRA -Raposo; Sá Miranda & Associados. “Não havendo acordo entre os herdeiros sobre a partilha dos bens, o mais adequado é o processo de inventário”, explica a advogada. Trata-se de um processo que inicia e decorre no cartório notarial da área da última residência da pessoa falecida e que pode ser requerido por qualquer um dos herdeiros.

É nomeado um cabeça-de-casal que vai ter de identificar os herdeiros e os bens a partilhar. Depois, os herdeiros são chamados a pronunciarem-se sobre esses bens. Se estes últimos não estiverem de acordo com o valor dos bens, podem ser nomeados peritos para garantir essa avaliação.

De acordo com as regras do Código Civil, o processo de inventário prevê ainda a realização de duas conferências (uma conferência preparatória e uma conferência de interessados) para determinar a composição dos quinhões (ou seja, a percentagem que cada pessoa vai receber daquela herança).

Se ao longo das diversas fases do inventário, os herdeiros não chegarem a um acordo, há ainda outras possibilidades. “Se não chegarem a acordo sobre a divisão dos bens, os herdeiros podem vender o património a terceiros e dividir entre si o produto da venda. Podem também recorrer a sorteios ou fazer licitações”, explica a especialista da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, que adianta ser necessário o acordo de uma maioria de dois terços para aprovação das deliberações.

O testamento em vida pode evitar conflitos

A melhor forma de evitar problemas relacionados com a partilha de uma herança é o planeamento em vida. Beatriz Valério destaca dois instrumentos que podem ajudar os cidadãos a fazer esse planeamento sucessório, o testamento e as doações em vida.
O testamento anuncia e prova as escolhas sobre a divisão de património. Para ser considerado válido, o testamento tem de ser feito pelo próprio - num notário e na presença de duas testemunhas. Beatriz Valério refere que “o testamento é um instrumento importante e que devia ser mais divulgado”.

A especialista em Direito da Família adianta que, ao contrário do que se pensa, esta não é uma ferramenta utilizada apenas por pessoas mais idosas. “Há pessoas novas que vão viajar ou trabalhar para um país de risco, ou ainda ser sujeitas a uma intervenção cirúrgica e querem certificar-se de que, caso alguma coisa lhes aconteça, o futuro dos seus filhos está assegurado. Por isso, além da indicação da forma como a divisão dos bens deve ser feita, podem beneficiar um herdeiro, constituir outros (com ou sem condições) ou ainda indicar quem ficará a exercer as responsabilidades parentais.”

É importante ainda lembrar que nem sempre as escolhas do autor do testamento podem ser cumpridas após a sua morte. “Tudo aquilo que é contrário à lei num testamento é considerado nulo”, adianta a advogada. Na verdade, o artigo nº 2186 do Código Civil refere isso mesmo: “É nula a disposição testamentária quando da interpretação do testamento resulte que foi essencialmente determinada por um fim contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.”

Ou seja, em testamento, uma pessoa não pode excluir da sua herança um filho. Isto acontece porque o Código Civil estabelece uma quota legitima da herança, que pertence aos herdeiros legítimos, e sobre a qual o autor do testamento não pode dispor livremente. Sendo um filho, um herdeiro legítimo, ele não poderá ser excluído da herança. A única exceção a esta regra está contemplada no artigo nº 2166 do Código Civil.
Ali refere-se a possibilidade de deserdação de um herdeiro legítimo, no caso de o herdeiro ter sido condenado por algum crime doloso cometido contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum descendente (desde que ao crime corresponda pena superior a seis meses de prisão). Esta deserdação ocorre ainda se o herdeiro for condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas.

Como funciona a quota legítima e a quota disponível?

Quando existem herdeiros legítimos (como é o caso do cônjuge, descendentes e ascendentes),  apenas se pode dispor e decidir livremente sobre uma parcela dos seus bens. Esta parcela é a chamada quota disponível. Já os restantes bens, que se referem à parte que o cidadão não pode dispor, são a quota legítima, destinada aos herdeiros legitimários. O valor destas duas quotas depende do número e da natureza dos herdeiros, nomeadamente:

  • Se o único herdeiro legitimário for o cônjuge, a quota legítima é de metade da herança, sendo a quota disponível os restantes 50% da herança;
  • Se os herdeiros legitimários forem o cônjuge e os filhos, a quota legítima é de dois terços da herança, sendo a quota disponível um terço da herança;
  •  Não havendo cônjuge sobrevivo, a quota legítima dos filhos é de metade ou dois terços da herança, conforme exista um só filho ou existam dois ou mais;
  • Se não existirem descendentes, mas existir um cônjuge e ascendentes, a quota legítima é de dois terços da herança, sendo a quota disponível de um terço.

Se os herdeiros tiverem dúvidas sobre a existência ou não de um testamento, a conservatória dos registos centrais tem uma base de dados onde estão os registos de todos os testamentos. que existem. Basta dirigirem-se a esta central, com o assento de óbito e requerer a localização do testamento. Os herdeiros podem ter acesso não só do último testamento mas também aos anteriores e às revogações dos vários testamentos que a pessoa fez ao longo da vida.

As doações também evitam conflitos

Este mecanismo permite definir em vida quem fica com um ou mais bens do património. “Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente”, pode ler-se no artigo nº 940 do Código Civil. Ou seja, um pai com dois filhos e duas casas pode doar a casa x ao filho 1 e a casa y ao filho 2. Este processo de doação em vida é feito por escritura pública de doação.
No entanto, Beatriz Valério salienta que a doação em vida pode não ser 100% exequível. Isto, porque as doações não podem sobrepor-se às regras previstas no Código Civil. E explica com um exemplo: “Imagine um casal com duas casas e vários filhos. Eles podem decidir doar em vida uma casa a um dos filhos, reservando o usufruto da habitação, enquanto o casal for vivo.
Tudo isto pode não ser exequível, se à data da morte, aparecerem mais bens ou menos bens e mais herdeiros ou menos herdeiros. Basta que à data da doação, a casa constitua um décimo da herança e que, após a morte, se verifique que aquele Bem constitui afinal metade da herança, excedendo a quota legítima a que aquele filho teria direito. Este filho vai ter de dar uma percentagem da casa para repor o quinhão hereditário dos seus irmãos”. Ou seja, a doação não é anulada, mas o filho que a recebeu pode ter de compensar os restantes irmãos, para que estes recebam o valor correspondente à sua quota legítima.