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Mentora e diretora do Arte Institute exalta o papel de artistas e gestores de Cultura, a quem lança desafios de resposta à crise. 01-05-2020

"We make a living by what we get, but we make a life by what we give." – Winston Churchill

A vida é realmente feita por aquilo que damos. Neste último mês lutámos pela vida, enquanto tentamos vivê-la dentro de um mundo vazio e desconhecido e que há semanas seria impensável. Nesta tentativa de continuar a “viver” a vida e manter a “normalidade”, em muito nos ajudaram aqueles que ganham a vida a traduzir a realidade em arte.

Aqueles que traduzem os sentimentos em notas de música, os que agrupam as palavras numa ordem tão bonita que nos elevam, os que imaginam histórias para nos contar e os que emprestam as suas vozes e corpos para dar vida a esses personagens. Esses são os que ganham a vida nas artes, os músicos, os escritores, os atores, os bailarinos: os artistas.

Tem ficado bem à vista qual o papel das artes e a importância da cultura na sociedade. Como teria sido a quarentena sem livros, música, filmes, sem o trabalho desses que ganham a vida a dar-nos todas essas coisas que na espuma dos dias, consumimos sem dar conta e tomamos como garantido.

Este diálogo constantemente adiado, do valor do trabalho dos artistas e da cultura, tem agora uma oportunidade única de ser veiculado pela classe que o compõe. Este é o momento do público ter uma melhor perceção e entendimento do trabalho artístico, do seu valor numa sociedade.

 

É urgente uma mudança de vocabulário

 

No entanto, a grande revolução, é que a classe artística mude a forma como se percepciona e a maneira como qualifica a sua atividade. Por exemplo, enquanto, os artistas associarem o valor do seu trabalho a palavras como donativo, muito dificilmente a sua atividade será vista com o profissionalismo, o respeito e a dignidade que merece.

É urgente uma mudança de vocabulário, porque inconscientemente é passada uma mensagem incorreta a toda uma sociedade. Será impossível exigir que os outros olhem de uma certa maneira, se os próprios são os primeiros a não o fazê-lo.

Aproveitando a crise e esta mudança de paradigma, podem desenvolver-se estratégias concertadas entre todas as áreas das artes, criar novas parcerias, estratégias com um caminho e um futuro sustentável. Esta é a grande oportunidade para reposicionar as artes e a cultura.

 

Trabalhar online: a ação do RHI Stage

 

Entretanto, enquanto permanecemos confinados, temos de trabalhar com o que está ao alcance de todos: o online. É imperativo desenvolver novos modelos e ferramentas de trabalho mais apoiadas nas novas tecnologias e que sirvam para todas as áreas.

Nunca o espetáculo ao vivo poderá ser substituído por um ecrã, no entanto com a perspectiva de um ano a 18 meses até à vacina, será necessário explorar outras soluções que não apenas fundos de emergência, que dificilmente chegarão a todos.

Nesse sentido, o Arte Institute e a iniciativa RHI, criaram o RHI Stage, plataforma que faz essa ponte entre os artistas e o público, em que este último tem a possibilidade de pagar o trabalho dos artistas (o “bilhete”), através da app gratuita (RHI Think).

O público assiste aos espetáculos nas páginas do Facebook do Arte Institute e do RHI, e pode rever na plataforma do RHI (rhi-think.com) e no site do Arte Institute. Não foi estabelecido um pagamento mínimo às apresentações, porque todas as áreas da sociedade estão a ser afectadas e não seria a forma certa de iniciar este diálogo, neste momento. No futuro, sim.

 

O exemplo dos Radiohead

 

Tem de ser dado ao público e aos fãs, a oportunidade de fazerem a parte deles, de pagarem, de retribuírem, porque só eles sabem individualmente o valor do que “recebem” do trabalho dos artistas.

Vejamos por exemplo o caso do álbum In Rainbows dos Radiohead, que ficou disponível para download gratuito e acabou por vender mais cópias do que os dois trabalhos anteriores da banda. O público pagava o que queria. Arriscaram, o público superou as expectativas e o risco valeu a pena.  (E isto em 2007!)

Por outro lado, é preciso que os artistas acreditem que existem outras soluções, além das formas habituais de financiamento. Nesta nova realidade as artes têm de se reinventar além do trabalho criativo. Os artistas têm de usar as suas redes sociais e as ferramentas online como um novo palco, que são neste momento a única forma de chegar aos seus seguidores para continuar a apresentar as suas criações. As redes sociais, são agora a única voz, que liga diretamente os artistas e o seu público.

O momento é difícil para todos e será um desafio implementarmos estes modelos numa altura economicamente complicada, mas esgotaram-se as opções e o caminho é para já, este. A classe artística tem-se reinventado no plano criativo, mas em termos de modelos de negócio sustentáveis, muito pouco tem sido feito. Urge avançar unidos e construir a casa pelas fundações.

Nada será como dantes. No novo mundo, as artes e a cultura têm de se reinventar, agarrando esta oportunidade com unhas e dentes. Tenhamos pressa, para não perdermos mais tempo. Só depende de nós.

 

Ana Ventura Miranda
Directora Arte Institute e Iniciativa RHI

 

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