A primeira experiência mais generalizada de teletrabalho em Portugal pode estar agora a chegar ao fim da sua primeira etapa mas, nada será como dantes. Empresas e trabalhadores encontram vantagens e desvantagens. Sintetizamos algumas.
O regime de teletrabalho em que grande parte das maiores empresas funcionaram nos últimos dois meses de exceção pela pandemia está a chegar ao fim. O plano foi decretado a título excecional, paralelamente ao regime previsto pelo Código de trabalho.
A Lei n.º 7/2009 do Código do Trabalho regula o regime de teletrabalho e estipula a necessidade de acordo contratual e escrito entre entidade patronal e empregado.
O normativo foi ultrapassado pelos regimes de exceção que vigoram desde março, quer por via do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 quer pela resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020 e que ainda afeta algumas áreas de atividade e do País, nomeadamente no concelho de Lisboa.
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Quais são as exceções ao regresso?
A entrada em vigor desta terceira etapa de desconfinamento emanada do Governo veio dar orientações para o regresso gradual das equipas aos seus postos de trabalho. Deixa em aberto algumas exceções e um alerta.
As exceções visam empregados com problemas de imunodeficiência, portadores de mais 60% de deficiência, doentes crónicos, e que integram os grupos de risco identificados pelas normas clínicas.
Inclui ainda os pais com filhos até aos 12 anos, assim como cuidadores de pessoas portadoras de deficiência superior a 60%.
O alerta foi lançado pela Direção Geral de Saúde (DGS) e dá conta de que o teletrabalho deve manter-se, caso as empresas não possam cumprir com as orientações sanitárias, aconselhadas para acolhimento dos seus colaboradores. Saiba mais neste artigo.
Um regime que veio para ficar
Regressamos a uma normalidade ainda condicionada mas antes disso, tivemos oportunidade de testar e comprovar um conjunto de oportunidades que o teletrabalho veio revelar mas também algumas dúvidas e perplexidades. Quer para empregados, quer para colaboradores.
Embora haja um debate sobre a necessidade se aperfeiçoar e atualizar todo o enquadramento legal deste regime de teletrabalho a verdade é que este enquadramento já existe (Lei nº 7/2009 do Código do Trabalho). Mesmo assim, parece não ter sido suficientemente esclarecedor para dúvidas como o pagamento ou não do subsídio de refeição ou até sobre as atividades que podiam realmente ser executadas em modo remoto.
Com ou sem enquadramento legal, os principais fatores de resistência - de natureza tecnológica e processual - parecem ter sido ultrapassados na generalidade dos casos. Isto significa que o modelo tem condições para avançar e até adeptos.
Muitos sectores apontam níveis de produtividade que foram vencidos, os trabalhadores, que muito se queixam do stress causado pela ausência de condições para esta mudança tão súbita, concordam com algum alívio numa série de outros aspetos, como sejam nos custos das deslocações; na tensão no trânsito pela manhã; nos custos da alimentação fora de casa.
Num inquérito, da responsabilidade da Confederação da Indústria de Portugal (CIP), levado a cabo junto de mil micro e pequenas empresas e publicado a 1 de junho de 2020, conclui-se que 94% trabalharam em regime de teletrabalho e cerca de metade deste rácio pretende continuar.
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Ordem de regresso mas gradual
Embora haja uma orientação para o regresso, existe a instrução adicional de que possa ser feita de maneira gradual. O objetivo é que haja etapas diferenciadas para o regresso e que cada uma delas possa testar um regime de regresso parcial. Ou seja, com rotatividade entre as pessoas que ficam em casa a trabalhar e as que vão trabalhar. Etapas diferenciadas e com um objetivo claro.
O objetivo é o de proporcionar a possibilidade de testar este modelo rotativo e preparar as equipas para enfrentar cenários idênticos no futuro. Em muitos casos, este regresso paulatino à base de trabalho pode significar uma maior margem de tempo para preparar os espaços de acolhimento e desenhar novas formas da sua arrumação, favorecendo o distanciamento assim como restantes regras sanitárias em vigor.
Mas não só, esta experiência que decorreu de maneira compulsiva pode bem ter começado a desenhar um novo modelo de trabalho.
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Os benefícios para os empregadores
Do lado das empresas destaca-se uma vantagem assinalável e que vai ao encontro de uma reivindicação antiga dos colaboradores. Ou seja, a da conciliação entre a vida profissional e pessoal e familiar. A experiência recente - por ter sido tão inesperada - pode não ter esgotado todo o potencial do teletrabalho para conseguirmos este compromisso entre vida familiar e profissional. Mas o precedente está aberto.
Além disso, o tópico custos não é despiciendo nesta equação. As empresas já perceberam que existe uma margem significativa para reduzirem os seus centros de custo e de logística. Mas o desafio não passa apenas por identificar as oportunidades, o grande desafio passa por aproveitar a experiência e retirar daqui lições para o futuro da gestão.
E isso vai implicar um esforço de adaptação que permita acompanhar as novas tendências na retenção de talento. É que além das empresas, também os colaboradores começam a mudar as suas exigências e o teletrabalho pode passar a ser uma delas.
Cabe às empresas acompanhar com novas regras de integração e gestão do trabalho, onde a liberdade dos colaboradores possa conciliar-se com a identidade do grupo e da organização.
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Os benefícios para os colaboradores
Falou-se muito das dificuldades e oportunidades desta experiência de trabalho remoto mas, em muitas organizações a realidade já se debatia antes do cenário Covid-19. E até por exigência e conveniência dos próprios colaboradores que reconheciam algumas da suas vantagens mais aliciantes.
Pertencer a uma organização e a um grupo de trabalho, poder contar com a sua infraestrutura de apoio e, ao mesmo tempo, preservar níveis de autonomia e independência que permitam acomodar a vida familiar e pessoal seria um cenário muito interessante.
Colocam-se questões de qualidade de vida dos trabalhadores. Trabalhar em casa pode libertá-los do peso e da tensão excessivos vividos todas as manhãs para cumprir os horários e chegar aos seus locais de trabalho. Ponderam-se igualmente pressões na procura e no preço das casas junto dos grandes centros empregadores. O alívio, além de económico é também urbanístico e ambiental. Todos eles com consequências diretas na qualidade de vida dos trabalhadores.
Por que não mudamos antes?
Nadim Habib responde
O problema da produtividade é um desafio que a gestão enfrenta há muito. Num recente webinar, organizado pela Caixa Geral de Depósitos, Nadim Habib, professor universitário na Nova School of Business and Economics e na London School of Economics and Political Science (LSE), o orador convidado, defendia que a mudança está em curso e assenta em três paradoxos fundamentais.
Constituem a chave para os grandes desafios do futuro em matéria de produtividade. Ou seja, manter os níveis de rentabilidade e de relação com o cliente com respostas previsíveis e em cenários altamente imprevisíveis.
Estes três paradoxos estão em linha com a recente experiência de teletrabalho. Ambos dependentes da robustez tecnológica. Por um lado, desafiam-nos a esquecer esta cisão muito marcada entre a vida profissional e a vida familiar com a exigência de um novo regulamento para o trabalho e gestão de recursos humanos. Exigem também maiores níveis de autonomia na decisão sem fazer perder o espírito de pertença. E por último, valorizam a relação das empresas com os seus ativos humanos, colaboradores e clientes.
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