Conflitos de heranças

Conflitos de heranças: como resolver e como evitar

Leis e impostos

O melhor é evitá-los mas se não for possível, há que conhecer o que diz a Lei e como atuar em cada caso. Explicamos o principal. 20-07-2021

Tempo estimado de leitura: 20 minutos

Os conflitos de heranças podem deixar marcas profundas nas famílias. Conheça algumas formas de os resolver e saiba como evitá-los.

Serão os conflitos de heranças inevitáveis? O que fazer quando os herdeiros não se entendem sobre a divisão dos bens? Conheça algumas situações comuns e veja como evitar e como resolver eventuais problemas na divisão de bens após a morte de um familiar.

 

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Herança com e sem testamento: as diferenças

Caso não exista testamento, a distribuição da herança tem de obedecer a uma ordem estabelecida por Lei. Ou seja, há pessoas que têm prioridade nesta divisão.

Se existir cônjuge e filhos, os bens são distribuídos por estes familiares. Se não existirem filhos, privilegia-se o cônjuge e os pais e assim sucessivamente, com a esta ordem:

  • O cônjuge e descendentes (filhos ou netos, se não houver filhos);
  • O cônjuge e ascendentes (pais ou avós, se não houver pais);
  • Os irmãos e seus descendentes (sobrinhos);
  • Outros familiares até ao quarto grau (primos direitos, tios-avós e sobrinhos-netos);
  • Estado (caso não existam outros familiares até ao quarto grau).

 

Caso sejam estas pessoas que se quer beneficiar, não é preciso fazer testamento, já que os bens serão distribuídos pelos chamados herdeiros legitimários. Isto é, os que estão definidos por Lei.

 

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Possíveis conflitos de heranças

Agora imaginemos que a pessoa que morreu estava separada (não oficialmente) e se tinha incompatibilizado com um dos filhos. Ou que alguém, morrendo solteiro e sem filhos, queria atribuir a herança a apenas dois dos seus muitos sobrinhos.

Se não deixou um testamento que estipulasse essa vontade, serão seguidos os princípios da Lei. No entanto, dada a situação familiar, seria pouco provável que os herdeiros se entendessem. E o processo, além de emocionalmente desgastante para a família, poderia ser bastante longo.

A solução? Fazer um testamento, exprimindo de forma legal essa vontade. O testamento pode ser alterado sempre que o autor quiser. Importante é que seja feito pelo próprio, num notário e na presença de duas testemunhas.

 

Tome Nota

Um testamento pode ser oficializado por alguém maior de idade, ou menor emancipado, e que não esteja interdito por anomalia psíquica. Tem o custo de 159 euros e carece de agendamento. Tem de ser feito num cartório notarial público.

Veja aqui o local mais próximo.

 

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Ainda assim, nem todas as disposições de um testamento são válidas. Segundo o Código Civil (artigo 2186º), qualquer disposição “determinada por um fim contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes” é considerada nula. 

Da mesma forma, também não é válido um testamento que beneficie um animal de companhia. Mas já pode, por exemplo, beneficiar uma entidade coletiva, como uma associação.

E quanto ao filho desavindo? Poderá ser deserdado, mas apenas em algumas circunstâncias, que pode conhecer neste artigo do Saldo Positivo.

 

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Herdar em união de facto? Só com testamento

Agora imaginemos que a pessoa que faleceu não estava casada, mas em união de facto. Esta pessoa teria os mesmos direitos do cônjuge? A verdade é que não. Apesar da Lei n.º 7/2001 ter dado, aos unidos de facto, alguns direitos que não possuíam até então, em termos de heranças quem vivia em união de facto não é equiparado a um cônjuge. Para poder herdar, terá de existir um testamento nesse sentido.

 

Como saber se existe testamento?

Em vida, as informações sobre o testamento só podem ser reveladas ao próprio ou ao procurador com poderes especiais.

Após a morte, podem ser pedidas por qualquer pessoa. O pedido pode ser feito online ou na Conservatória dos Registos Centrais, em Lisboa.

Ao fazer o pedido, vai receber uma referência para efetuar o pagamento (25 euros). Depois de pagar, a certidão sobre a existência do testamento é enviada pelo correio para sua casa.

 

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E se fizer uma doação?

Imaginemos, então, a situação em que um dos filhos recebe em doação, ainda antes da morte dos pais, uma casa. É feita a escritura pública de doação e, até à morte do casal, pode usufruir desta habitação. Se existirem outros filhos e a casa representar, por exemplo, metade da herança, este filho vai ter de compensar os outros herdeiros, dando-lhes as suas partes.

Por exemplo, se o imóvel valer 500 mil euros e existirem cinco herdeiros, esse filho terá de dar, a cada um, 100 mil euros.

 

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É possível decidir a totalidade da herança?

Se quiser deixar toda a herança a alguém que não seja um legítimo herdeiro (isto é, que não seja cônjuge, descendente ou ascendente), não poderá fazê-lo, mesmo que faça testamento. Isto porque a lei estipula que só pode dispor de uma parte dos seus bens (a chamada quota disponível). A restante parte (a quota legítima) tem de ser entregue aos herdeiros legitimários.

O valor desta quota depende do tipo de herdeiro:

  • Único herdeiro legitimário é o cônjuge: 50% quota disponível; 50% quota legítima
  • Cônjuge e os filhos: a quota legítima são dois terços da herança; um terço da quota disponível;
  • Sem cônjuge, mas com filhos: quota legítima dos filhos é de metade ou dois terços da herança, conforme exista um só filho ou existam dois ou mais;
  • Sem descendentes, mas com um cônjuge e ascendentes: a quota legítima é de dois terços da herança; a quota disponível é de um terço.

 

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Conflitos de heranças: quem “manda” na herança?

Enquanto existir uma herança indivisa (isto é, o património reconhecido, antes de ser partilhado), há uma pessoa responsável pela herança: a cabeça de casal. A função é normalmente atribuída ao marido ou mulher ou ao filho mais velho. Mas, se existir unanimidade entre os herdeiros, pode ser escolhida outra pessoa.

Se os herdeiros não se entenderem quanto à escolha da cabeça de casal, a nomeação é feita pelo tribunal, de forma oficiosa ou a pedido de um dos interessados.

Cabe ao cabeça de casal administrar a herança. Isto dá-lhe poderes, por exemplo, para solicitar a devolução de bens que deva administrar ou cobrar dívidas. É também a pessoa responsável por comunicar a morte à Autoridade Tributária e por iniciar o processo de partilha de bens, através da habilitação de herdeiros.

 

Tome Nota

A habilitação de herdeiros identifica as pessoas que vão receber a herança. Deve ser feita até ao final do terceiro mês seguinte ao do óbito.

Veja aqui como proceder e qual o custo.

 

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No entanto, se a cabeça de casal não for competente e zeloso, se ocultar bens ou se não cumprir com os seus deveres legais, pode ser afastado dessa função.

 

Ocultar bens tem consequências

A ocultação de bens, feita por um herdeiro ou pelo cabeça de casal, traz consequências.

De acordo com o artigo 2096º do Código Civil, quem o fizer com más intenções “perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados”.

 

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Conflitos de heranças: e quando não há acordo?

Se, apesar de todas as possibilidades dadas pela lei, os herdeiros não se entenderem, a solução pode passar pelo processo de inventário. 

Este processo pode ser iniciado por um interessado ou na sequência de um acordo entre todos. Pode decorrer nos tribunais judiciais ou nos cartórios notariais, desde que exista unanimidade na decisão.

No entanto, há casos em que o inventário tem obrigatoriamente de ser feito num tribunal, nomeadamente:

  • Se um dos herdeiros não pode intervir, por estar ausente em parte incerta ou por incapacidade de facto permanente (por exemplo, por ser menor);
  • Se for feito a pedido do Ministério Público;
  • Se estiver dependente de outro processo judicial.

 

O pedido de abertura de inventário é analisado e os herdeiros são notificados com 30 dias para contestar. Os visados pela reclamação têm depois 30 dias para responder.

Segue-se a conferência preparatória, isto é, um encontro para determinar a percentagem da herança (quinhão) que cabe a cada parte.

 

Tome Nota

Só é obrigatório ter um advogado para suscitar ou discutir qualquer questão de direito ou para interpor recurso. Sem exigência legal para contratar um, poderá ser conveniente - sobretudo se outros herdeiros o fizerem.

 

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Como se dividem os bens?

Se um bem ou conjunto de bens tiver apenas um interessado, é este que os recebe. No entanto, se o valor for superior à sua parte da herança, tem de compensar os restantes; caso não ultrapasse o valor, pode receber outros bens.

Caso existam vários interessados, o bem pode ser dividido de forma proporcional, de acordo com aquilo a que cada um tem direito. Se o bem for indivisível, ou se a divisão o desvalorizar, pode ser feito um sorteio ou uma licitação entre os interessados.

Os herdeiros apresentam uma proposta de mapa da partilha, com a divisão dos bens por todos os interessados. Depois, o juiz ou notário resolve eventuais divergências e elabora o mapa final.
A sentença homologatória da partilha, em que se estipula quem recebe o quê, pode ser contestada, nomeadamente através de ações como a anulação ou emenda da partilha, partilha adicional ou determinação de quinhão do herdeiro preterido.

 

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Os custos

De acordo com a lei, a taxa de justiça e os encargos do inventário são pagos pelos interessados, na proporção do que tenham recebido.

As despesas relacionadas com o processo de inventário incluem os honorários dos notários que dependem da complexidade e do valor do processo. No caso dos tribunais, há a ter em conta as custas judiciais.

 

Tome Nota

As custas processuais são calculadas em Unidades de Conta (UC). Em 2021 o valor de cada UC é 102 euros.

 

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Como iniciar o processo de inventário

A Lei n.º 117/2019 trouxe algumas novidades relativamente a inventários, nomeadamente a possibilidade de iniciar o processo online, recorrendo à plataforma Inventarios.pt.

Vejamos, então, os passos a seguir e consulte estas indicações caso precise de ajuda:

1. Escolher o notário: pode pesquisar aqui a lista de notários;
2. Identificar o requerente: preencher os dados relativos a quem faz o pedido;
3. Escolher a finalidade;
4. Indicar o valor do inventário ou seja, dos bens que dizem respeito ao processo. Este dado é essencial para o cálculo dos honorários;
5. Descarregar e Preencher o Modelo de Requerimento;
6. Enviar o ficheiro para a plataforma, depois de assinado;
7. Carregar os anexos;
8. Se beneficiar de apoio judiciário, deverá selecionar a opção Apoio Judiciário e anexar  um documento que comprove esta situação.

 

Tome Nota

Veja neste guia como pedir apoio judiciário.

Confirme ainda neste simulador se tem direito.

 

Documentos para dar início ao inventário:

  • Requerimento inicial com identificação do falecido, última residência, data e local do óbito;
  • Documento que comprove função de cabeça de casal (se for este a apresentar o pedido) e  compromisso de honra do seu “fiel exercício”, com assinatura reconhecida;
  • Lista de herdeiros e documentos que comprovem essa condição (por exemplo, certidão de casamento ou nascimento); 
  • Indicação dos cônjuges dos herdeiros e do regime de casamento;
  • Certidão de óbito;
  • Documentos (como escrituras de doação, testamentos e convenções antenupciais) com  disposições relacionadas com a sucessão;
  • Relação dos bens sujeitos a inventário e respetivos valores;
  • Relação dos créditos e das dívidas da herança, com identificação dos devedores e dos credores.

 

 

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