Conflitos de heranças

Conflitos de heranças: como evitar e resolver?

Leis e impostos

Heranças: conheça os principais motivos que podem dar origem a conflitos entre familiares e saiba como podem ser resolvidos. 10-09-2024

Tempo estimado de leitura: 6 minutos

Os conflitos de heranças podem deixar marcas profundas nas famílias. Conheça algumas formas de os resolver e saiba como evitá-los.
Serão os conflitos de heranças inevitáveis? O que fazer quando os herdeiros não se entendem sobre a divisão dos bens? Conheça algumas situações comuns e veja como evitar e como resolver eventuais problemas na divisão de bens após a morte de um familiar.

 

Conflitos de heranças e possíveis soluções

Apresentamos diferentes possibilidades de conflito entre herdeiros assim como o enquadramento legal para tentar ultrapassá-las.

 

Não existindo testamento, quem são os herdeiros?

Quando não existe testamento, os herdeiros são chamados pela seguinte ordem, de acordo com o Código Civil:

  • O cônjuge e os descendentes (filhos ou netos, se não houver filhos);
  • O cônjuge e os ascendentes (pais ou avós, se não houver pais);
  • Os irmãos e seus descendentes (sobrinhos);
  • Outros familiares até ao quarto grau (primos direitos, tios-avós e sobrinhos-netos);
  • O Estado.

Ou seja, estes são os herdeiros legitimários e que nunca perdem o direito a herdar parte da herança indivisa (caso não tenha sido manifestada qualquer intenção de os deserdar).

 

Tome Nota:
Os herdeiros legítimos distinguem-se dos legitimários por terem direito à herança sem que haja testamento.  Os legitimários acedem à herança, apesar de existir testamento. São ambos familiares próximos de quem faleceu.

 

Como saber se existe um testamento?
É possível pedir uma certidão sobre a existência de testamento, escritura de renúncia ou repúdio de herança ou legado. Pode fazer o pedido online através dos serviços do Instituto de Registos e Notariado. Se quem faz o testamento estiver vivo, só é possível saber se existe testamento se essa pessoa der autorização.

 

É possível deserdar os herdeiros legitimários através do testamento?

Se alguém quiser deixar toda a herança a alguém que não seja um legítimo herdeiro (isto é, que não seja cônjuge, descendente ou ascendente), não pode fazê-lo, mesmo que faça testamento. Isto porque a lei estipula que só pode dispor de uma parte dos seus bens (a chamada quota disponível). A restante parte (a quota legítima) tem de ser entregue aos herdeiros legitimários.

O valor desta quota depende do tipo de herdeiro:

  • Único herdeiro legitimário é o cônjuge: 50% quota disponível; 50% quota legítima;
  • Cônjuge e os filhos: a quota legítima são dois terços da herança; um terço da quota disponível;
  • Sem cônjuge, mas com filhos: quota legítima dos filhos é de metade ou dois terços da herança, conforme exista um só filho ou existam dois ou mais;
  • Sem descendentes, mas com cônjuge e ascendentes: a quota legítima é de dois terços da herança; a quota disponível é de um terço.

 

E se houver uma doação?

Imaginemos a situação em que um dos filhos herdeiros recebe em doação, ainda antes da morte dos pais, uma casa. É feita a escritura pública de doação e, até à morte do casal, pode usufruir desta habitação.

Se existirem outros filhos e a casa representar metade da herança, este filho terá de compensar os outros herdeiros, dando-lhes as suas partes. Por exemplo, se o imóvel valer 500 mil euros e existirem cinco herdeiros, esse filho terá de dar, a cada um, 100 mil euros.

 

Quem é responsável por administrar a herança?

Até que os bens sejam partilhados, a herança deve ser administrada pelo cabeça de casal que é responsável por tratar de tudo o que está relacionado com os bens até que sejam feitas as partilhas. A função de cabeça de casal atribui-se pela seguinte ordem (artigo 2080.º do Código Civil):

  • O cônjuge, se for herdeiro ou tiver direito a metade dos bens do casal (meação);
  • Na ausência destes parentes, e se existir testamento, cabe ao testamenteiro garantir que o testamento é cumprido, salvo se existir uma declaração do falecido em contrário;
  • Aos herdeiros legais ou aos herdeiros testamentários;
  • Privilegia-se sempre o parente mais próximo, desde que seja herdeiro legal. A função recai sobre um filho, por exemplo. Se existir mais do que um herdeiro legal com o mesmo grau de parentesco, o cabeça de casal é o familiar que more há, pelo menos, um ano com a pessoa que faleceu. Em igualdade de circunstâncias, recai sobre o mais velho.

 

Nenhum herdeiro quer assumir a responsabilidade de ser cabeça de casal: o que fazer

A administração da herança pode ser atribuída a outra pessoa, ainda que não seja herdeiro (artigo 2084.º do Código Civil). No entanto, todos os interessados devem estar de acordo nesta decisão. Caso não exista consenso, pode ser o tribunal a decidir.

O herdeiro designado só pode recusar o cargo nas seguintes situações:

  • Se tiver mais de 70 anos;
  • Se tiver uma doença que o impossibilite de assumir a função;
  • Se a função de cabeça de casal não for compatível com o exercício de um cargo público.

 

O cabeça de casal pode estar a lesar um dos herdeiros: o que fazer?

É possível propor o afastamento do cabeça de casal, se ocorreu, comprovadamente, alguma das seguintes situações (artigo 2086.º do Código Civil):

  • Ocultação de bens ou de doações feitas pelo falecido, indicação de doações ou encargos inexistentes;
  • Administração do património de forma imprudente;
  • Não cumprimento dos deveres impostos por lei, no âmbito do inventário;
  • Se se revelar incompetente para o exercício da tarefa.

 

Só o cabeça de casal é que pode pedir uma certidão de óbito?

A certidão de óbito que comprova o falecimento; a data; a hora e o local da morte pode ser requerida por qualquer pessoa.

 

Onde pedir a certidão de óbito e quanto custa?

  • Numa Conservatória do Registo Civil, numa Loja de Cidadão ou num dos cerca de 80 Espaços Registos do país. O custo é de 20 euros, mas se a finalidade for requerer prestações sociais custa 10 euros;
  • Online, na plataforma Civil Online. Por esta via, o documento custa 10 euros e fica disponível para ser consultado durante seis meses;
  • Se estiver no estrangeiro, pode pedir a certidão num consulado português.

 

 

Só o cabeça de casal pode pedir a partilha de bens?

Não, pode ser pedida por qualquer herdeiro. Se todos estiverem de acordo, devem deslocar-se a um cartório notarial ou ao Balcão de Heranças. 

Não existindo acordo, e se não for possível contar com a participação de, pelo menos, um dos herdeiros (ou em caso de incapacidade de um deles), faz-se o inventário dos bens, num cartório notarial ou num tribunal. Os documentos necessários são a certidão de óbito e a relação dos bens, devendo ainda identificar-se todos os herdeiros. 

 

Tome Nota:
Quando existem herdeiros menores, o Ministério Público pode pedir a abertura de inventário, para salvaguardar os seus interesses.

 

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Quem vivia em união de facto também é herdeiro?

Pode ser, mas só se a pessoa que faleceu deixou expressa essa vontade por escrito, em testamento. Apesar de a Lei n.º 7/2001 (ainda em vigor) ter dado, aos unidos de facto, alguns direitos que não possuíam até então, para efeitos de herança de património, quem vivia em união de facto não é equiparado a um cônjuge.

 

Tome Nota:
Quando se pretende que a herança seja entregue aos herdeiros legitimários, ou seja, ao cônjuge, aos descendentes e aos ascendentes, não é necessário fazer testamento

 

Que outros elementos pode conter um testamento?
O testamento é a forma adequada de reconhecer uma dívida; substituir um testamento anterior; perfilhar; deserdar; nomear um tutor para um filho menor; fixar legados ou indicar substitutos para os herdeiros, caso estes não possam ou não queiram aceitar a herança; determinar o tipo de cerimónia fúnebre a realizar, entre outras.

 

Um cônjuge pode deserdar o outro?

Não. A lei protege os cônjuges, os ascendentes e os descendentes (os herdeiros legitimários), e garante-lhes uma parte do património do falecido, que é designada por quota indisponível ou legítima. Para calcular a quota indisponível, é tido em conta:

  • O valor dos bens à data do óbito;
  • O valor dos bens doados;
  • As despesas sujeitas a colação (doações feitas em vida a descendentes que sejam herdeiros);
  • As dívidas da herança.

Depois de apurados todos os herdeiros, o cabeça de casal deve avançar com a habilitação de herdeiros  num cartório notarial ou no Balcão de Heranças, no Espaço Óbito ou na Plataforma de Atendimento à Distância

 

Tome Nota:
Existem circunstâncias específicas que permitem deserdar um filho. Conheça-as neste artigo Saldo Positivo.

 

Se herdar dívidas, é possível recusar o seu pagamento?

Ninguém é obrigado a aceitar a herança, mas ao aceitá-la, tem de a receber na totalidade e não pode impor condições para a sua aceitação. Isso significa que deve assumir também eventuais dívidas.  Apenas se prevê a obrigação de pagar dívidas até se esgotar o valor correspondente ao da herança.

Se as dívidas ultrapassarem o valor da herança, é necessário provar que já não há dinheiro para as saldar. Neste caso, é aconselhável fazer uma aceitação a benefício de inventário. Isto é, apenas os bens que constem do inventário respondem pelas dívidas.

 

Mas e se não quiser aceitar: é possível recusar uma herança?

Há duas formas de demonstrar que não quer receber os bens a que poderia ter direito, através do repúdio e da renúncia de uma herança. O repúdio de uma herança ocorre depois do falecimento, já a renúncia é feita enquanto o proprietário dos bens e o seu potencial herdeiro são vivos. O repúdio pode ser feito por qualquer herdeiro, enquanto a renúncia só se aplica aos cônjuges.

Se tiver intenção de repudiar uma herança, deve fazê-lo por escrito e seguindo as seguintes regras:

  • Se a herança incluir bens imóveis, deve fazê-lo por escritura pública ou documento particular autenticado e o seu cônjuge tem de dar consentimento (exceto se forem casados no regime de separação de bens). No documento de repúdio, deve indicar se tem descendentes. Estes podem querer aceitar a herança;
  • Se a herança só incluir bens móveis, basta apenas assinar um documento particular.

Recusada a herança, o quinhão vago (a sua parte da herança) passa a ser disputado pelos restantes herdeiros, privilegiando-se o direito de representação. Se, por exemplo, a filha repudiou a herança da mãe, a neta é chamada a aceitá-la.

 

Qual o prazo para aceitar ou repudiar a herança?
O direito de aceitar ou repudiar os bens da herança prescreve dez anos após ter conhecimento de que é beneficiário de uma herança.  A aceitação tácita ocorre, por exemplo, quando, após o falecimento, um herdeiro passa a utilizar bens do falecido como se fossem seus ou se muda para a casa do falecido.  A aceitação expressa ocorre quando o beneficiário declara, por escrito, em carta dirigida ao cabeça de casal, que é sua intenção aceitar a herança.

 

É possível ter animais de estimação como herdeiros?

Não. De acordo com o Código Civil a capacidade sucessória é válida para pessoas (podem ter sido concebidas e ainda não nascidas), para o Estado e para pessoas coletivas e sociedades. Em testamento, pode deixar uma parte da herança a alguém que tenha como condição cuidar do seu animal.

 

Tome Nota:
De acordo com o Código Civil (artigo 2186.º), qualquer disposição de um testamento que não seja de acordo com a lei e ordem pública, ou seja ofensiva dos bons costumes, é considerada nula.

 

E se os herdeiros não conseguirem mesmo chegar a um acordo?

Se, apesar de todas as possibilidades dadas pela lei, os herdeiros não se entenderem, a solução pode passar pelo processo de inventário. Pode ser iniciado por um interessado ou na sequência de um acordo entre todos. Pode decorrer nos tribunais judiciais ou nos cartórios notariais, desde que exista unanimidade na decisão.

Há casos em que o inventário tem obrigatoriamente de ser feito num tribunal, nomeadamente:

  • Se um dos herdeiros não pode intervir, por estar ausente em parte incerta ou por incapacidade de facto permanente (por exemplo, por ser menor);
  • Se for feito a pedido do Ministério Público;
  • Se estiver dependente de outro processo judicial.

  O pedido de abertura de inventário é analisado e os herdeiros são notificados com 30 dias para contestar. Segue-se a conferência preparatória, um encontro para determinar a percentagem da herança (quinhão) que cabe a cada parte.

 

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A informação deste artigo não constitui qualquer recomendação, nem dispensa a consulta necessária de entidades oficiais e legais.