Rendimento Básico Elementar

Sabe o que é o rendimento básico incondicional?

Sustentabilidade

O professor de Filosofia da Universidade do Minho responde às principais dúvidas sobre o Rendimento Básico Incondicional (RBI). 25-08-2021

Tempo estimado de leitura: 13 minutos

O RBI “é uma prestação monetária, periódica e universal”. A resposta é de Roberto Merrill, um dos porta-vozes da campanha pelo RBI e professor da Universidade do Minho com quem conversamos sobre este tema, nada consensual.

Em termos simples, o Rendimento Básico Incondicional (RBI) consiste na atribuição de uma prestação monetária, de igual valor, a todos os cidadãos, sem contrapartidas e durante toda a vida. É, por isso, universal, incondicional e visa garantir a autonomia de quem recebe este rendimento individual.

Na última década, o debate em torno do RBI tem-se adensado em todo o mundo, inclusive em Portugal. Apesar de, na teoria merecer ampla aprovação moral, do ponto de vista político, económico e social, uma eventual implementação continua fraturante. Considera-se mesmo não existir tradução prática de um pensamento, apelidado por muitos, utópico.

Numa tentativa de perceber um pouco melhor qual é enquadramento do RBI no contexto nacional, o Saldo Positivo entrevistou um dos porta-vozes da campanha pelo RBI em Portugal Roberto Merrill, professor da UM.

Leia também:

 

Quem é Roberto Merrill?

Roberto Merrill é professor auxiliar no Departamento de Filosofia da Universidade do Minho e investigador no Centro de Ética, Política e Sociedade daquela Universidade, onde coordena o projeto de investigação sobre Rendimento Básico Incondicional (financiado pela FCT com 196 mil euros para 2018-2022). É também presidente da Associação Portuguesa pelo Rendimento Básico Incondicional. Publicou em 2019 o livro Rendimento Básico Incondicional: uma Defesa da Liberdade, Almedina, ed. 70.

Roberto Merril cedeu-nos a entrevista juntamente com Catarina Neves que, sob sua orientação está a fazer um doutoramento sobre RBI. Catarina Neves é Professora Assistente na Nova SBE, doutoranda em Filosofia Social e Política e Investigadora no Centro de Ética, Política e Sociedade da Universidade do Minho.

Leia também: Não tenho médico de família: como devo proceder?

 

Quais os princípios base do Rendimento Básico Incondicional?

O Rendimento Básico Incondicional é uma prestação monetária, periódica (anual ou mensal, dependendo do modelo). É universal – para todos os cidadãos num determinado local (cidade, distrito, país, região), incondicional – livre de obrigações (não é preciso apresentar qualquer informação, nem é preciso trabalhar ou estar em formação). É individual e é atribuída ao longo da vida, garantindo a autonomia de quem a recebe.

Geralmente, considera-se que o RBI deve ter um valor suficiente que permita viver uma vida com dignidade.

Prós e contras do RBI

No contexto nacional, os argumentos a favor são, em traços gerais, relativamente fáceis de deduzir e, ainda assim, louváveis. Ou seja, a abolição da pobreza e do estigma social, o reforço da autonomia dos cidadãos e a conquista de uma vida digna.

Os argumentos contra, visam questões relacionadas com a insustentabilidade financeira da aplicação; da possibilidade de haver um aumento drástico de impostos para o seu financiamento - o que, por conseguinte, teria um efeito de contração económica e, muito possivelmente, de crispação social; e, não menos importante, de poder vir a ser considerado um desincentivo ao trabalho.

Seja como for, a pandemia parece ter dado um impulso extra ao debate em torno do RBI, muito devido às dificuldades financeiras que já se abatem sobre muitas famílias. Ainda que sem espaço cativo na agenda, o debate público envolve temas importantes como o impacte do RBI no sistema previdencial da Segurança Social; a exigência por novos modelos de organização social e de desenvolvimento; ou o impacte nas relações laborais.

Leia também:

 

Tendo em consideração esses mesmos princípios, fará sentido pessoas com possibilidades económicas e condições profissionais distintas receberem o mesmo montante?

A pergunta é direcionada para uma objeção comum ao RBI, mas que deriva talvez da incompreensão de como o RBI pode ser incorporado numa sociedade moderna.

O RBI é universal, ou seja, todos os cidadãos recebem. Mas o RBI não será atribuído de forma “isolada”. Estará inserido no contexto de assistência social de um determinado País, e certamente por isso, terá de ser enquadrado no contexto do sistema de impostos desse mesmo País.

Assim sendo, na nossa perspetiva o RBI é Universal mas, deverá enquadrar-se num sistema de impostos progressivos, e por isso ser sujeito a tributação, em conjunto com os rendimentos do indivíduo.

Isso fará com que existam beneficiários líquidos do RBI – nomeadamente os mais pobres. Mas também que, consoante o aumento de rendimento de um indivíduo, o valor de RBI diminua. Para os 20% mais ricos, o RBI será provavelmente totalmente tributado.

Esta é uma distinção importante, o RBI continuará a ser universal, mas inserido num sistema progressivo de impostos.

Leia também:

“O RBI e o RSI são profundamente distintos, no objetivo e na operacionalização”

Qual a proposta concreta para o contexto português? E como compara com o Rendimento Social de Inserção?

Não existe ainda uma proposta concreta para o contexto português, em parte porque esse é um estudo que implica ter em consideração o sistema de impostos, mas também os sistemas de assistência social, nomeadamente a forma como o RBI iria interagir ou até englobar prestações como o Rendimento Social de Inserção (RSI) ou outros abonos e apoios sociais.

De qualquer forma, parece-nos que um RBI entre 400 a 500 euros seria o ideal para ajudar a mitigar as situações de pobreza em Portugal. E claro, o RBI pode ser implementado de forma progressiva, e muitos propõem que assim seja. Existem também propostas para um RBI de 200 euros a nível europeu, chamado eurodividendo.

Sobre a segunda questão, o RBI e o RSI são profundamente distintos, no objetivo e na operacionalização.

  1. O RBI é para todos. É universal. O RSI é apenas para pessoas em situação de pobreza e exclusão social, com determinado rendimento muito baixo;
  2. O RBI idealmente deve permitir viver uma vida com dignidade. O RSI não permite fazê-lo;
  3. O RSI é por vezes individual, mas regra geral visa o agregado, podendo sofrer acréscimos com o aumento do número de elementos do agregado. Mas o RBI é por princípio individual. Exatamente para garantir a autonomia e a emancipação do indivíduo: pensemos numa mulher que sofre de violência, o RBI ao ser individual pode ajudar à sua emancipação;
  4. Por último, e talvez mais importante, o RBI é incondicional. Esta é a sua principal característica. Ao contrário do RSI, onde a pessoa ou agregado têm de demonstrar a sua situação de pobreza e carência, têm de a comprovar com alguma periodicidade, e têm de assinar um contrato de inserção onde se comprometem a fazer determinadas coisas, como trabalhar; formação, o RBI é livre de obrigações. Nesse sentido, é menos estigmatizante.

 

Leia também:

 

“Acreditamos na possibilidade de financiar o RBI sem grande aumento de impostos”

Acredita que poderá ser financeiramente sustentável neste contexto? Ou melhor, como seria financiado o RBI, com aumento de impostos?

Acreditamos na possibilidade de financiar o RBI sem um grande aumento de impostos, através da redistribuição dos impostos existentes. Podem também ser considerados impostos sobre a riqueza, ou sobre empresas que gerem recursos naturais, como uma forma de financiar o RBI.

Leia também:

 

Em vários artigos de opinião sobre o RBI, há quem acredite que pode implicar um recuo do investimento e do crescimento económico ou mesmo um desincentivo ao trabalho. O que tem a dizer sobre isto?

Dois aspetos chave a considerar. Primeiro aspecto, sobreo desincentivo ao trabalho. Esta é uma das grandes preocupações com o RBI mas que não é comprovada pelas experiências realizadas na Europa – como na Finlândia ou Utrecht, nos EUA, no Brasil, na Namíbia e Quénia ou na Índia.

Em todos estes locais, o RBI não fez com que as pessoas deixassem de trabalhar de forma significativa. Nos EUA, nos anos 50 e 60, verificou-se a redução de horas extraordinárias, apenas. No caso da Finlândia, verificou-se até que grupos mais vulneráveis como migrantes ou mães solteiras trabalhavam mais com um RBI, provavelmente porque conseguiam acumular mais dinheiro.

No entanto, as experiências são limitadas, no tempo, cerca de 2-3 anos de implementação, e no valor atribuído que geralmente não é muito elevado. Quanto mais elevado for o valor de RBI atribuído, mais provável será o aumento do desincentivo ao trabalho. Com isto, chegamos ao primeiro aspeto mencionado.

Quanto ao segundo aspeto, uma redução das horas de trabalho, é já um tópico corrente de discussão por três razões. A primeira, pelo alegado possível efeito da automação, que tornará redundantes muitos trabalhos (esta é a razão pela qual empreendedores como Elon Musk ou Mark Zuckerberg são a favor do RBI).

A segunda é que devido aos atuais efeitos perniciosos do stress e da ansiedade, combinados com a necessidade de aumentar os empregos, alguns governos pensem já em reduzir a semana de trabalho para 4 dias, ou a chamada jornada diária para 6 horas.

A terceira razão, e talvez mais importante, é a necessidade de mitigar os efeitos das alterações climáticas, que poderá passar não só pelas alternativas verdes mas, potencialmente, pela redução dos padrões de produção e de consumo. Abdicando, eventualmente, do crescimento como um dos grandes objetivos políticos e económicos.

Todos estes fatores justificam considerar a possibilidade do RBI gerar algum desincentivo ao trabalho. Não como um aspeto negativo mas sim, como um dos seus principais atrativos - no sentido de emancipar o indivíduo de trabalhos que não gosta e que não lhe trazem realização pessoal, mas também de trabalhos que poderão já não ser necessários, ou que poderão ser perniciosos para o ambiente.

Leia também: Apoios ao emprego em 2021: o que fazer se estiver desempregado

 

Prós e contras do RBI

No contexto nacional, os argumentos a favor são, em traços gerais, relativamente fáceis de deduzir e, ainda assim, louváveis. Ou seja, a abolição da pobreza e do estigma social, o reforço da autonomia dos cidadãos e a conquista de uma vida digna.

Os argumentos contra, visam questões relacionadas com a insustentabilidade financeira da aplicação; da possibilidade de haver um aumento drástico de impostos para o seu financiamento - o que, por conseguinte, teria um efeito de contração económica e, muito possivelmente, de crispação social; e, não menos importante, de poder vir a ser considerado um desincentivo ao trabalho.

Seja como for, a pandemia parece ter dado um impulso extra ao debate em torno do RBI, muito devido às dificuldades financeiras que já se abatem sobre muitas famílias. E, ainda que sem espaço cativo na agenda, envolve temas importantes como o impacte do RBI no sistema previdencial da Segurança Social; a exigência por novos modelos de organização social e de desenvolvimento; ou o impacte nas relações laborais que o Saldo Positivo procurará acompanhar.

Leia também: