Um ferro de engomar novo que, três meses depois, deixou totalmente de funcionar. Na loja, dizem que a garantia não cobre o tipo de avaria por estar relacionada com má utilização do equipamento. Ou mudou de operadora de telecomunicações e passado dois meses percebe que a velocidade da internet é mais baixa do que o anunciado e quer reclamar.
Estes são apenas dois exemplos de conflitos de consumo, de produtos ou de serviços, que podem ser resolvidos sem ir a tribunal. Conheça os procedimentos e as entidades a que pode recorrer para fazer valer os seus direitos.
1. Contacte o vendedor do produto ou serviço
Contratou um serviço ou fez uma compra, mas está descontente? O primeiro passo, de acordo com a Direção Geral do Consumidor, é tentar resolver essa situação diretamente com o vendedor do produto ou serviço.
Se adquiriu o produto numa loja física, dirija-se ao local e peça para falar com o responsável. Se a compra foi online, utilize a linha de apoio ao cliente ou o formulário próprio.
Pode ainda reforçar a sua tentativa de resolução através de meios que constituam prova das suas queixas. Por exemplo, enviando uma carta registada com aviso de receção ou um email com aviso de leitura.
Nesta primeira abordagem - a fase de negociação - o objetivo é que as partes alterem as suas condições para chegarem a um acordo.
O que diz a lei
A Lei da Resolução Alternativa de Litígios de Consumo (Lei n.º 144/2015) transpõe a Diretiva 2013/11/UE do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a resolução alternativa de litígios de consumo. Estabelece o enquadramento jurídico dos mecanismos de resolução extrajudicial de litígios de consumo e a criação em Portugal da Rede de Arbitragem de Consumo. Abrange os seguintes litígios:
- Iniciados por um consumidor contra um fornecedor de bens ou um prestador de serviços;
- Resultam de obrigações definidas em contratos de compra e venda ou de prestação de serviços;
- Implicam um fornecedor de bens ou um prestador de serviços e consumidores estabelecidos e residentes, respetivamente, em Portugal e na União Europeia.
Leia também:
- Mudar de operadora de telecomunicações: saiba o que fazer
- Resolver litígios: quais os meios alternativos?
- Intermediários de crédito: sabe o que são e o que fazem?
2. Registe o caso no Livro de Reclamações
Falhada a negociação, o passo seguinte é o livro de reclamações. Pode fazê-lo no livro físico ou no livro de reclamações eletrónico.
O vendedor ou prestador de serviço tem de dar resposta num prazo máximo de 15 dias úteis, enquanto a reclamação segue para a entidade fiscalizadora. Pode acompanhar o estado da sua reclamação no site do Livro de Reclamações.
Tome Nota:
O livro de reclamações é obrigatório por lei e deve ser disponibilizado por todos os fornecedores de bens ou prestadores de serviço que tenham contacto com o público.
Recorra a uma entidade de resolução alternativa de conflitos
Não chegando a acordo por nenhum dos meios anteriores, pode pedir a ajuda de entidades intermediárias de Resolução Alternativa de Litígios (RAL).
São entidades legalmente autorizadas (desde que inscritas na lista de entidades RAL prevista pela Lei n.º 144/2015) para exercer atividades de mediação, conciliação e arbitragem de litígios de consumo em Portugal. Saiba como se desenrola o processo de reclamação.
Mediação
Num processo de mediação, as partes em conflito são responsáveis pelas decisões que constroem com a ajuda de uma terceira, o mediador. Este não avança com propostas, apenas cria e mantém as condições de diálogo.
O mediador também não tem poder de decisão. Porém, desde que cumpridos os requisitos necessários, o acordo que resultar de um processo de mediação pode ter o mesmo valor de uma sentença judicial (princípio da executoriedade), sem necessidade de aprovação por um juiz.
Para que assim seja, o mediador terá de integrar um sistema público de mediação ou estar inscrito na lista de mediadores de conflitos organizada pelo Ministério da Justiça.
A mediação é um processo voluntário e confidencial cujos principais vantagens são o custo reduzido, a autonomia dos intervenientes, a celeridade e a informalidade. Demora, em média, três meses e pode mesmo ser gratuito, por exemplo, se recorrer ao Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Conflitos de Consumo (CNIACC).
Leia também:
- Direitos do consumidor: conheça com que o pode contar na Lei
- Direito à reparação: o que é e como vai funcionar?
- 7 cuidados a ter antes de contratar um crédito pessoal
Conciliação
Surge, habitualmente, como uma segunda via, caso a mediação não resulte. Aqui procura-se de uma forma mais direta que as partes cheguem a um acordo através da ajuda de um conciliador (árbitro ou juiz) que avança com propostas concretas para pôr fim ao conflito.
Tal como na fase da mediação, pode pedir ajuda ao Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Conflitos de Consumo que conta com técnicos especializados com intervenção gratuita.
Arbitragem
Falhadas todas as tentativas anteriores, a fase seguinte é a da arbitragem, que se apresenta cada vez mais como alternativa aos tribunais judiciais. A arbitragem é feita por um tribunal arbitral, organizado pelo centro de arbitragem.
Pode ser uma arbitragem voluntária e, para acionar este tipo de solução extrajudicial, é necessário que ambas as partes estejam de acordo assim como se deve tratar de um conflito resultante da venda de bens ou de uma prestação de serviços de valor superior a 5 mil euros, até 30 mil euros.
Já na arbitragem necessária, não é obrigatório o consentimento do vendedor ou do prestador do serviço. Basta o consumidor manifestar essa vontade sem que a outra parte esteja de acordo. A arbitragem necessária inclui:
- Fornecedores de serviços públicos essenciais;
- Venda de bens ou prestação de serviços até ao valor de 5 mil euros.
Num processo de arbitragem necessária o consumidor pode fazer‑se representar por um advogado ou um solicitador, sendo que, caso não consiga pagar os seus serviços, pode solicitar apoio judiciário. Está prevista ainda a dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça apurada no final.
Para recorrer aos centros de arbitragem, deve dirigir-se ao que está na área onde a compra foi feita ou o serviço foi contratado. O CNIACC, por exemplo, tem uma abrangência que cobre quase todo o território nacional e algumas ilhas.
A decisão de um tribunal arbitral tem o mesmo valor do que a sentença de um tribunal judicial. Ou seja, se uma das partes não cumprir a decisão, a outra pode recorrer a um tribunal.
Leia também:
- Sabe das novas regras para os Saldos? E nas compras online?
- A encomenda não chegou? Conheça os seus direitos e saiba o que fazer
- Sabe como funcionam os recursos em tribunal e como apelar?
Outras entidades de apoio à resolução de conflitos
Poderá utilizar ainda outras vias, como as associações de consumidores dotadas de personalidade jurídica ou os gabinetes das câmaras municipais de apoio aos consumidores, que funcionam como uma solução de proximidade e de apoio gratuito.
Se a compra foi online, a Plataforma de Resolução de Litígios em Linha é uma outra opção para tentar solucionar o conflito.
Compras online: cuidados a ter
- Use redes seguras: evite usar acessos públicos, como wi-fi de centros comerciais ou cafés;
- Confirme o URL do site: veja se tem o símbolo de um cadeado e a indicação https://;
- Veja os comentários de outros utilizadores: senunca fez compras nesse site, procure por testemunhos de quem já o fez;
- Leia os termos e condições: informe-se sobreos prazos de entrega dos produtos e da garantia, reembolsos, trocas e reclamações;
- Verifique o preço final: incluindo outras despesas adicionais como IVA, custos de envio ou taxas alfandegárias;
- Escolha um método de pagamento seguro: não indique dados pessoais que não sejam absolutamente necessários para fazer a compra e se puder evite usar o cartão de crédito;
- Guarde o comprovativo de pagamento: caso não lhe tenha sido enviado para o email, faça uma captura de ecrã;
- Confirme o valor cobrado: seja qual for a modalidade escolhida para o pagamento, esteja atento à sua conta e verifique se o valor cobrado corresponde ao das compras;
- Conheça os seus direitos: utilize esta ferramenta para os direitos do consumidor da União Europeia.
Tome Nota:
Confira algumas dicas, cuidados a ter e seus direitos como consumidor, no Guia das compras online do Saldo Positivo.
Leia também:
- Quais os meus direitos na compra de conteúdos e serviços digitais?
- Os 12 cuidados a ter no crédito em loja
- Sabe qual é a diferença entre loja virtual e marketplace?
- Comprar um eletrodoméstico novo: quais os meus direitos e garantias
- Como evitar que o seu cartão seja clonado
- Tarifa social de eletricidade: quem tem direito e quanto pode poupar
- O que muda ao dizer adeus às letras pequeninas dos contratos?