Teve um acidente de trabalho e tem dúvidas sobre as regras e procedimentos a seguir? Saiba o que diz a lei sobre os seus direitos, nomeadamente em contexto de teletrabalho.
Ninguém está livre de vir a ter um acidente de trabalho, razão pela qual importa estar a par das regras e dos procedimentos a seguir nesta eventualidade. Além disso, numa situação absolutamente excecional como aquela que estamos a viver, estarão os trabalhadores protegidos se se encontrarem em regime de teletrabalho? E em que condições?
O que é considerado um acidente de trabalho?
De acordo com a Lei n.º 98/2009 é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho, produzindo lesão corporal, perturbação funcional ou doença capaz de resultar na redução na capacidade de trabalho, ou de ganho, ou mesmo a morte.
Nos termos da legislação, entende-se como local de trabalho, todo o posto ou lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude para a execução das suas obrigações profissionais e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo da entidade empregadora.
Também nos termos da legislação em vigor, este tempo de trabalho inclui o período que precede o seu início. Por exemplo, em atos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em atos também relacionados com o trabalho. Aqui se incluem ainda as interrupções normais (como a pausa para o almoço) ou forçosas de trabalho. Falamos, portanto, inclusive, dos momentos em que se desloca para ir trabalhar ou regressar.
Leia também:
A reparação de acidentes de trabalho deve ser assegurada pelas entidades empregadoras, uma vez que lhes cabe a responsabilidade de zelar pela segurança física e pela saúde dos seus trabalhadores. Princípio, aliás, fundamental do Estado de Direito.
Recorde-se que, como consta do artigo 59º da Constituição da República Portuguesa, todos os trabalhadores têm direito à "assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional".
Por este motivo, está legalmente instituída a obrigatoriedade das empresas contratarem um seguro de acidentes de trabalho. O seu objetivo é assegurar a prestação de cuidados médicos e pagamento de indemnizações por incapacidade temporária e permanente dos seus funcionários.
A ausência de contratação deste seguro é considerada, nos termos da lei, uma contraordenação muito grave. Em caso de acidentes, a empresa ficará com o encargo de pagar todas as despesas daqui decorrentes (tratamentos médicos e eventuais pensões que tenham de ser pagas), recorrendo, se necessário, ao seu próprio património.
Tome Nota:
Nos termos da Lei, consideram-se também acidentes de trabalho o que ocorre nos seguintes contextos:
- No trajeto de ida ou de regresso do local de trabalho;
- No trajeto entre os locais de trabalho e da refeição;
- Nos locais de trabalho e de residência do trabalhador. Mesmo no estrangeiro (ao serviço da entidade empregadora);
- Na execução de serviços, mesmo espontaneamente prestados, de onde possa resultar proveito económico para o empregador;
- No local de trabalho e fora, quando no exercício do direito de reunião ou de atividade de representante dos trabalhadores, nos termos previstos no Código do Trabalho;
- No local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorização expressa do empregador para tal frequência;
- No local de pagamento da retribuição, enquanto o trabalhador aí permanecer para o efeito;
- No local onde o trabalhador receba qualquer forma de assistência ou tratamento, por anterior acidente, e enquanto aí permanecer;
- Em atividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por Lei aos trabalhadores com processo em curso de cessação do contrato de trabalho;
- Fora do local ou tempo de trabalho, se na execução de serviços determinados pelo empregador ou por ele consentidos.
Leia também:
Quais os procedimentos a seguir para acionar o seguro de acidente de trabalho?
Na eventualidade de um acidente de trabalho deve zelar-se, em primeiro lugar, pela segurança do trabalhador. Após serem chamados os serviços de emergência médica, o trabalhador deve ser levado para o centro hospitalar mais próximo do local do acidente para que lhe sejam prestados os primeiros socorros.
Se a entidade empregadora não tiver conhecimento imediato do acidente, o trabalhador ou alguém que o represente deve participar, verbalmente ou por escrito, o acidente de trabalho ao empregador. Esta participação, contudo, deve ser realizada no decorrer das 48 horas seguintes. No entanto, caso o estado do trabalhador sinistrado, ou outra circunstância, devidamente comprovada, não permita que este prazo seja cumprido, o prazo de 48 horas conta-se a partir da cessação do impedimento.
Muitas vezes a lesão só se revela em data posterior ao acidente, mesmo sendo resultado deste. Neste caso, as 48 horas são contadas a partir da data do reconhecimento comprovado da lesão.
A entidade empregadora, por sua vez, deve comunicar o acidente de trabalho à companhia de seguros no prazo de 24 horas após conhecimento do acidente, para que seja acionado o seguro de acidente de trabalho.
Leia também:
Como funciona o seguro de acidente de trabalho?
O seguro de acidente de trabalho garante que o trabalhador tenha acesso a todos os cuidados médicos necessários ao restabelecimento do seu estado de saúde, da sua capacidade de trabalho e de ganho.
Além da assistência médica, o seguro cobre todas as despesas relacionadas com a assistência hospitalar, medicamentosa e farmacêutica, despesas de hospedagem, de transporte, apoio psicoterapêutico à família do trabalhador sinistrado (quando reconhecida como necessária pelo médico assistente).
Leia também:
Além disso, prevê uma compensação em dinheiro, cujo valor dependerá de um conjunto de fatores, entre eles o grau de incapacidade para o trabalho (resultante do acidente), que pode ser:
- Temporária, parcial ou absoluta;
- Permanente, parcial, absoluta para o trabalho habitual;
- Absoluta para todo e qualquer trabalho.
O grau de incapacidade, recorde-se, é determinado de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais que pode consultaraqui.
Qual o valor da indemnização por incapacidade temporária?
De acordo com a legislação em vigor, se do acidente de trabalho resultar incapacidade temporária para o trabalho, há direito a uma compensação pela perda ou redução de rendimentos durante o período de tratamento ou de reabilitação profissional. O valor dessa compensação varia consoante a incapacidade temporária seja parcial (que permite um regresso ao trabalho com limitações médicas) ou absoluta (que não permite regressar ao trabalho), nos seguintes termos:
- Incapacidade temporária parcial: indemnização diária correspondente a 70% da redução na capacidade geral de ganho do trabalhador;
- Incapacidade temporária absoluta: indemnização diária igual a 70% por cento da retribuição nos primeiros doze meses e de 75% no período seguinte.
Qual o valor da indemnização por incapacidade permanente?
Caso o acidente resulte em danos permanentes para o trabalhador, que o impossibilitem de obter quaisquer rendimentos, passa a ter direito a uma pensão por incapacidade permanente com os seguintes valores:
- Por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho: pensão anual e vitalícia igual a 80% da retribuição, acrescida de 10% por cada pessoa a cargo, até ao limite da retribuição;
- Por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual: pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
- Por incapacidade permanente parcial: pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho.
Se o acidente de trabalho resultar de ação culposa do empregador, também pode ser devida uma indemnização ao trabalhador com incapacidade permanente para o trabalho.
O trabalhador com incapacidade deverá obter junto da Segurança Social a atribuição de um grau de deficiência que lhe permitirá obter reduções no IRS. Essa redução será tanto maior quanto o grau de deficiência que lhe for atribuída.
Leia também:
Qual o valor da indemnização em caso de morte?
Se do acidente de trabalho resultar a morte do trabalhador, então será devida uma pensão ao cônjuge, ex-cônjuges, filhos biológicos e adotados, ascendentes ou outros parentes que vivam em casa do falecido.
O valor desta pensão varia consoante os graus de parentesco, nos seguintes termos:
- Cônjuge ou unido de facto: 30% da retribuição do trabalhador até à idade da reforma por velhice e 40% a partir desta data;
- Ex-cônjuge: 30% da retribuição do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice, e 40% a partir daquela idade, até ao valor fixado judicialmente em caso de pensão de alimentos;
- Filhos com idade inferior a 18 anos de idade (ou até aos 22 ou 25 anos, consoante frequentem o ensino secundário ou curso de nível superior, respetivamente). A pensão de morte é equivalente a 20%, 40% ou 50% do ordenado do sinistrado, consoante seja um, dois ou três filhos, recebendo o dobro destes montantes, até ao limite de 80% da retribuição do sinistrado, se forem órfãos de pai e mãe;
- Ascendentes e outros parentes: 10% da retribuição do sinistrado. Se não houver outros beneficiários (cônjuges, unidos de facto, ex-cônjuges ou filhos), o valor aumenta para 15% até à idade da reforma e 20% a partir daqui.
E se o acidente de trabalho ocorrer em teletrabalho?
Os trabalhadores que se encontrem em regime de teletrabalho têm os mesmos direitos e deveres dos restantes trabalhadores, razão pela qual continuam a estar protegidos pelo seguro de acidentes de trabalho. Deve verificar-se, contudo, o cumprimento das seguintes condições:
- O acidente terá de ter acontecido no local que tiver sido comunicado à entidade empregadora como local de teletrabalho (por exemplo, a residência do trabalhador);
- O acidente terá de ter acontecido durante o horário de trabalho e apenas no âmbito do exercício das funções do trabalhador.
De acordo com a Autoridade de Supervisão de Seguros e de Fundos de Pensões é recomendável, a este propósito, que o regime de teletrabalho seja devidamente formalizado entre a entidade empregadora, trabalhador e seguradora.
Além dos registos de autorização para os trabalhadores em teletrabalho, as empresas devem fornecer à seguradora a indicação do local onde o trabalho está a ser desenvolvido, horários, direitos e deveres dos trabalhadores.
E os trabalhadores independentes?
Todos os trabalhadores por conta de outrem têm de ter, obrigatoriamente, um seguro de acidentes de trabalho pago pela entidade empregadora.
Os trabalhadores independentes também são obrigados a ter um seguro de acidentes de trabalho que garanta, com as devidas adaptações, as compensações definidas para os trabalhadores por conta de outrem e seus familiares.
De acordo com a lei, só os trabalhadores independentes cuja produção se destine exclusivamente ao consumo ou utilização por si próprio e pelo seu agregado familiar, é que não estão obrigados a fazer este seguro.
Leia também: