Assédio laboral: identificar e agir

Como identificar e agir em caso de assédio no trabalho

Trabalho

Saiba identificar comportamentos de assédio moral e sexual no local de trabalho e de que forma a lei protege as vítimas. 18-01-2024

Tempo estimado de leitura: 7 minutos

A cultura empresarial dos nossos dias, que muitas vezes promove o individualismo, a precariedade e a concorrência entre colegas de trabalho, é fértil em situações de assédio. Quem o diz é Duarte Rolo, psicólogo, que se dedica ao estudo do assédio laboral, nos campos da psicodinâmica e do sofrimento no local de trabalho.

Neste artigo, explicamos-lhe como identificar e denunciar situações de assédio moral e sexual no local de trabalho e de que forma a lei protege as vítimas.

O que é o assédio?

O assédio é definido como um comportamento indesejado, manifestado verbalmente, por gestos, atitudes ou de outras formas, que afeta a dignidade da pessoa que dele é alvo ou que gera um ambiente de intimidação, hostilidade ou humilhação. Pode revestir-se de várias formas. Entre as mais frequentes estão o assédio moral e o assédio sexual.

No local de trabalho, qualquer pessoa, mulher ou homem, em qualquer tipo de posto ou função, pode ser vítima de assédio moral ou sexual. E qualquer pessoa com acesso ao local de trabalho, sejam superiores hierárquicos, diretos e indiretos, colegas de trabalho, prestadores de serviços, fornecedores ou clientes, pode ser acusada de assédio.

 

Tome Nota:
Este fenómeno é também conhecido por mobbing, uma expressão que significa a violência psicológica exercida sobre os trabalhadores.

 

O que diz a lei?
O assédio é proibido por lei e a sua prática é sancionada com uma contraordenação muito grave (artigo 29.º do Código do Trabalho). A prática de assédio por qualquer trabalhador ou trabalhadora, independentemente das funções desempenhadas, constitui uma infração disciplinar.

 

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Como identificar uma situação de assédio?

Geralmente, o assédio não ocorre como ato isolado. É um comportamento continuado, manifestado através de um conjunto de atos e atitudes.

Visa afetar a dignidade, integridade moral e física da vítima, podendo, em muitas situações, diminuir a sua capacidade de fazer face à situação e de resistir, levando-a a ceder. O objetivo pode ser, em alguns casos, levar ao abandono da função ou até mesmo à saída da empresa. Saiba como identificar.

Assédio moral: alguns exemplos

De acordo com a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), os seguintes comportamentos podem indicar a prática de assédio moral no local de trabalho:

  • Definir sistematicamente objetivos ou prazos impossíveis de cumprir;
  • Atribuir repetidamente tarefas desadequadas à categoria profissional;
  • Deixar de atribuir, por um longo período, tarefas ao trabalhador;
  • Apropriar-se de ideias, projetos e trabalhos de colegas;
  • Desprezar ou humilhar colegas, levando ao seu isolamento;
  • Ocultar continuamente informações necessárias ao desempenho das funções;
  • Divulgar constantemente rumores e comentários maliciosos;
  • Atribuir instruções de trabalho confusas e imprecisas;
  • Solicitar sistematicamente trabalhos urgentes desnecessários;
  • Criticar repetidamente, em público, colegas de trabalho;
  • Insinuar constantemente que o trabalhador tem problemas mentais;
  • Transferir trabalhadores de setor ou local de trabalho, com o objetivo de os isolar;
  • Recorrer sistematicamente a gritos, como forma de intimidação;
  • Registar a quantidade de vezes que um trabalhador vai à casa de banho e o tempo que demora;
  • Fazer piadas ofensivas em relação ao género, raça, orientação sexual, religião, problemas de saúde, deficiências físicas, etc.;
  • Comentar sistematicamente a vida pessoal do outro;
  • Criar sistematicamente situações objetivas de stress, de forma a descontrolar.

 

Assédio sexual: alguns exemplos

Entre outros, podem indicar a prática de assédio sexual no local de trabalho os seguintes comportamentos:

  • Fazer comentários sistemáticos ou piadas sobre a aparência física ou a orientação sexual de alguém;
  • Enviar desenhos, fotografias ou imagens, indesejados, inconvenientes e de teor sexual;
  • Fazer telefonemas, enviar cartas, mensagens ou emails indesejados e inconvenientes, de caráter sexual;
  • Provocar contacto físico intencional, não solicitado e excessivo ou abordagens desnecessárias;
  • Convidar persistentemente alguém para sair, depois de essa pessoa ter deixado claro que os convites são indesejados;
  • Fazer convites e pedidos de carácter sexual associados a promessas de emprego ou de melhoria nas condições de trabalho, estabilidade no emprego ou na carreira profissional, seja de forma direta ou insinuada.

 

Situações que não devem ser confundidas com assédio
Nem todas as situações de conflito devem ser classificadas ou entendidas como assédio. O que distingue as situações é a intenção com que ocorrem. Alguns exemplos que não constituem assédio moral:

  • Conflitos laborais pontuais;
  • Decisões tomadas de forma legítima, decorrentes da organização de trabalho, desde que respeitem o contrato de trabalho;
  • Agressões pontuais, físicas ou verbais (que podem constituir crime, mas não traduzir uma situação de assédio por não terem caráter repetitivo);
  • Exercício legítimo da responsabilidade hierárquica e disciplinar (como, por exemplo, uma avaliação de desempenho, a instauração de um processo disciplinar, entre outros);
  • Pressão que resulte do exercício de cargos de alta responsabilidade.

Alguns exemplos que não constituem assédio sexual:

  • A aproximação ou envolvimento romântico entre colegas ou superiores hierárquicos, estabelecida de forma recíproca e desejada;
  • Elogios ocasionais.

 

 

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Se for vítima de assédio no trabalho: denuncie

Pode optar por fazer uma denúncia interna ou seja, apresentar a sua queixa à pessoa ou ao departamento responsável por tratar destas situações. Em muitas empresas, é a área de Recursos Humanos a assegurar o tratamento e a confidencialidade da denúncia. Quando a recebe, a empresa deve abrir um inquérito para as devidas averiguações.  

A entidade patronal, sempre que tenha conhecimento de alguma situação, fica obrigada a instaurar procedimentos disciplinares. O desrespeito por estas regras constitui contraordenação grave.

Se preferir, ou se a empresa onde trabalha não tiver um responsável para tratar dos casos de assédio, pode realizar uma denúncia externa.

A quem denunciar?

Existem entidades oficiais a quem pode dirigir as suas queixas, tais como as seguintes:

 

Tome Nota:
Para demonstrar que foi vítima de assédio, é muito importante que o consiga provar. Deve ir recolhendo provas, como emails, gravações, imagens, ordens escritas ou outros documentos que provem a situação. Pode também recorrer a testemunhas. 

 

Mais vale prevenir: os códigos de conduta nas empresas
As empresas com sete ou mais trabalhadores são obrigadas por lei a elaborar códigos de conduta para prevenir e combater o assédio no trabalho. Consulte o Guia para a elaboração do Código de Conduta disponibilizado pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE).

 

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Proteger as vítimas de assédio: quais os direitos consagrados na lei

As vítimas de assédio geralmente enfrentam alguns problemas adicionais. Nomeadamente, a dificuldade em provar o assédio de que foram alvo e as retaliações por parte do agressor (para consigo e com as suas testemunhas). Na lei encontra algumas medidas para proteger as vítimas.

Proibição de represálias e sanções disciplinares

O trabalhador que apresenta uma denúncia, assim como as suas testemunhas, não podem ser alvo de represálias ou sanções. É considerado abusivo o despedimento que ocorra até um ano depois da denúncia.

Reparação de danos

As doenças que resultem de situações de assédio no local de trabalho estão abrangidas pelo regime das doenças profissionais, com direito ao pagamento de compensações.

Direito a indemnização

As vítimas de assédio têm direito, por lei, a pedir uma indemnização por danos patrimoniais e morais. Além disso, o assédio, quando praticado pelo empregador ou por um seu representante, é motivo para o trabalhador rescindir o contrato de trabalho com justa causa.

No caso de existir uma falsa denúncia de assédio por parte de um trabalhador, presume-se haver dolo, ou seja, que existe intenção de o trabalhador prejudicar a empresa. Quando assim é, a entidade patronal pode aplicar sanções disciplinares ao colaborador (e a eventuais testemunhas).

 

Assédio: alguns dados
Para assinalar o Dia Europeu da Vítima de Crime, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) apresentou os resultados do estudo sobre assédio sexual no local de trabalho. De entre os principais dados divulgados, destacam-se os seguintes indicadores:

  • Duas em cada dez pessoas admitiram ter sido vítimas de assédio sexual no local de trabalho. Nove em cada dez vítimas são mulheres;
  • Em 45% dos casos, os assediadores são colegas de trabalho;
  • Mais de 60% dos inquiridos considera que o assédio sexual é difícil de ser provado e de ser punido;
  • Do total de pessoas que declara ter sido sexualmente assediado no local de trabalho (148 pessoas), apenas 40 avançaram com uma denúncia;
  • Cerca de um terço (32%) das vítimas que efetuaram uma denúncia declarou ter sofrido represálias e 22% arrependeu-se de o ter feito;
  • Mais de metade das denúncias é feita na própria entidade patronal;
  • Das 130 mulheres vítimas, apenas 23,8% declarou ter denunciado a situação, enquanto entre as 18 vítimas do sexo masculino essa percentagem sobe para 50%.

 

 

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