Como antecipar o impacte do fim das moratórias? Como manter a taxa de esforço sob controlo? Fique a par de algumas estratégias para renegociar créditos.
Se perdeu rendimentos por causa da pandemia e antecipa um cenário de dificuldades financeiras com o fim das moratórias, importa começar a pensar em estratégias para não entrar em incumprimento junto do seu Banco. João Morais Barbosa, fundador e CEO da plataforma Reorganiza, explica o que está em causa na renegociação de créditos e quais os passos a dar num depoimento ao Jornal Económico.
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Renegociação de créditos: reduzir a taxa de esforço e ter mais liquidez mensal
A implementação das moratórias de crédito foi uma tábua de salvação para as famílias que perderam rendimentos por causa da pandemia. Apesar de não representarem um perdão da dívida, permitiram maior liquidez nos momentos mais críticos e imediatos e, em casos limite, no que respeita ao crédito habitação, asseguraram que muitas famílias não perdessem a sua habitação própria permanente, por incumprimento no pagamento do crédito.
Ao aproximar-se o fim das moratórias, importa antecipar os seus efeitos no orçamento familiar e agir o quanto antes. Qual será a sua taxa de esforço quando voltar a ter de pagar as mensalidades de crédito? Feitas estas contas, prevê que vai ficar numa zona de risco? Então, importa encontrar alternativas para reduzir as prestações em dívida. Neste contexto, a renegociação de créditos é, sem dúvida alguma, uma das alternativas a considerar.
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Existem condições que podem ajudar. Desde logo, o histórico de cumprimento é relevante, e se a existência de episódios de incumprimento afastam qualquer margem de negociação, indicadores como a taxa esforço mantém-se como determinantes.
Duas dicas prévias. Deve partir para a negociação num momento em que mantém a sua saúde financeira e não numa situação de aperto. Não aguarde que assim aconteça para atuar. Muito importante ainda, tenha em conta que o impacte das alterações a solicitar podem ser determinantes a muito longo prazo.
Tome Nota:
Os especialistas e as entidades financeiras defendem que a taxa de esforço não deve ser superior a 30% do rendimento do agregado familiar. Qualquer valor acima deste intervalo pode significar risco futuro de incumprimento. Abordar o seu banco com este indicador poderá facilitar a renegociação dos seus créditos.
A fórmula para calcular a taxa de esforço é a seguinte:
[Total de Prestações Financeiras / Rendimento do Agregado Familiar] x 100 = total em percentagem.
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O que deve acautelar antes de renegociar créditos
Antes de contactar o Banco para expor o seu caso, deve fazer um diagnóstico da situação financeira da família. Na opinião de João Morais Barbosa, este procedimento passa por verificar quantos créditos efetivamente tem e as suas condições em termos de prazo e taxa de juro.
Aconselha-se por isso consultar o mapa de responsabilidades de crédito, documento que reúne todos os seus créditos, em todos os bancos. Encontra-se disponível para consulta na Central de Responsabilidades de Crédito (CRC), uma base de dados gerida pelo Banco de Portugal, que agrega a informação de crédito de todos os cidadãos (sejam os empréstimos contraídos, sejam os potenciais, como o plafond de um cartão de crédito, por exemplo).
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Para o obter, basta aceder à página da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal e proceder aos seguintes passos:
- Ler e aceitar as condições;
- Escolher uma data (mês e ano) para consulta dos seus créditos;
- Autenticar-se com o seu Cartão de Cidadão ou com os seus dados do Portal das Finanças;
- Nesta fase, o download do seu Mapa de Responsabilidades começará automaticamente;
- Para o visualizar, basta clicar para abrir o ficheiro.
Na posse do seu Mapa de Responsabilidade estará em condições de avaliar com rigor a sua taxa de esforço.
Tome Nota:
Antes de renegociar os créditos, considere que a abordagem simples da taxa de esforço tem apenas em conta os seus encargos com créditos. Pode, inclusive, afinar esta percentagem recorrendo à taxa de esforço corrigida. Além dos encargos com créditos, este indicador inclui outras obrigações mensais como as despesas domésticas (água, luz, gás, telecomunicações).
Para determinar o valor destes encargos, aconselhamos a elaboração de um orçamento familiar o mais realista possível, com todos os rendimentos e gastos mensais.
Esteja na posse de todos estes dados, no momento em que abordar o seu banco. São importantes para gerir sua margem de negociação e antecipar os ganhos de liquidez que vier a conseguir.
Vejamos, em detalhe, algumas das abordagens propostas por este especialista em finanças pessoais.
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Como renegociar créditos com o seu Banco?
No momento de contacto com o seu Banco pode ser vantajoso apresentar uma tabela sistematizada com o seu orçamento familiar. Este documento pode ilustrar quais são efetivamente os seus rendimentos, despesas gerais e encargos com créditos. E mais, ilustrar os motivos pelos quais está a solicitar uma renegociação. Muito relevante ainda, revela que o seu principal objetivo é o de continuar a cumprir com as suas obrigações.
Imagine que pretende renegociar o seu crédito habitação, por exemplo, estes são alguns dos procedimentos a considerar para reduzir o peso mensal do crédito.
Instrumentos para negociar crédito habitação
Desde logo, possibilidade de alargar o prazo de pagamento; negociar as condições e custos associados aos créditos tendo em conta a TAEG (ou seja, o seu custo total); solicitar um período de carência de capital que lhe permita pagar apenas os juros durante determinado período de tempo (com margem de agravamento do capital médio em dívida) ou ainda, por exemplo transferir o seguro de vida. Uma possibilidade a ter em conta com as devidas cautelas. Esta mudança tem que compensar uma potencial subida do spread. Por ultimo, se nada resultar, transferir o crédito para outro banco.
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Transferência de crédito
O contexto de maior competitividade no mercado bancário pode acabar por se transformar numa oportunidade para o seu esforço de negociação.
Esteja atento às alternativas e tente renegociar condições como o que paga pelo spread e outros encargos. Existe possibilidade de conseguir concretizar os seus objetivos, mediante o cumprimento de alguns requisitos. Pondere a subscrição de outros produtos e serviços como por exemplo, seguro de vida, seguro de saúde, cartões de crédito ou PPR numa mesma entidade. Este esforço pode trazer-lhe poupanças nos encargos totais associados.
Se chegar a ponderar a possibilidade de mudar banco e transferir este crédito para outra entidade, é até provável que os custos associados à transferência possam ser custeados pela nova entidade.
Tome Nota:
À semelhança do que é aconselhável com contratos de seguros e de prestação de serviços (telecomunicações, eletricidade, gás), também é possível rever com alguma regularidade a oferta de mercado do crédito habitação. Se lhe oferecerem melhores condições, deve vencer a inércia e não hesitar em transferir, defende o CEO da Reorganiza.
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Consolidar créditos e prolongar o prazo de reembolso do crédito
Juntando os créditos num só, centralizamos os seus encargos e pagamentos e temos grande possibilidade de alargar os prazos de pagamento e reduzir assim a taxa média que pagamos pelos créditos.
Regra geral, ao fazer esta otimização, ficará a pagar um único crédito a uma única instituição. Além de facilitar a gestão do pagamento destes créditos (dado que lhe será debitada uma única prestação num único dia do mês), como o prazo de pagamento é estendido no tempo, poderá ver reduzida a taxa de juro média (sobretudo se tiver vários créditos de curto prazo) e ficará a pagar uma prestação mais baixa do que o somatório de todas as prestações que pagaria pela dispersão dos créditos.
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Mas atenção, prolongar o prazo do crédito pode ajudar a reduzir o peso da prestação mensal, mas a longo prazo, esta opção aumenta os encargos globais do empréstimo. João Morais Barbosa, alerta em particular para Montante Total Imputado ao Consumidor (MTIC), valor que corresponde à soma do montante total do empréstimo (capital) mais os custos associados ao crédito (juros, comissões bancárias, impostos e outros encargos).
Tome Nota:
Ao longo da vigência de um contrato de crédito, a taxa de juro e outros encargos podem ser alterados. Por exemplo, se contratou um crédito com taxa de juro variável ou mista, o MTIC será apenas indicativo. Isto é, não corresponde ao montante total que irá pagar efetivamente pelo empréstimo. Agora, se contratou um crédito com uma taxa de juro fixa, o MTIC indicado no contrato será o valor real a pagar.
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Tem vários créditos? Já considerou crédito consolidado com hipoteca?
João Morais Barbosa refere ainda o caso do crédito consolidado com hipoteca, que passa por dar um imóvel (habitação própria, habitação secundária ou mesmo um imóvel de um familiar) como garantia destes créditos.
Neste caso, os seus créditos são convertidos num novo crédito com prazo de pagamento alargado, idêntico ao do crédito habitação, e uma redução da taxa de juro que passa igualmente a ser aquela aplicada ao crédito habitação.
Em termos simples, se paga cerca de 15% de juros sobre os seus créditos ao consumo, passaria a pagar, na Banca, cerca de 1%. Além da extensão do prazo, a redução significativa da taxa a aplicar traduzir-se-ia numa poupança considerável.
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Ainda assim, há que contar com alguns procedimentos legais e encargos associados por exemplo, à necessidade de fazer uma segunda hipoteca sobre o imóvel que é dado como garantia ou mesmo à escritura adicional, necessária para dali constarem os novos termos do contrato.
Não se esqueça, contudo. Se entrar em incumprimento, corre um maior risco de o banco ficar com o seu imóvel.
Mais uma dica útil, a poupança que for obtendo por esta via deveria ser aplicada na amortização dos créditos que pode assim passar a liquidar mais rapidamente. Evite manter os seus encargos inalterados, tente pelo contrário reduzi-los com esta poupança.
Tome Nota:
O crédito consolidado está sujeito a alguns requisitos, entre eles:
- O seu nome não pode constar da chamada lista negra do Banco de Portugal. Ou seja, não é possível juntar créditos se, já se encontra numa situação de incumprimento;
- A idade máxima para solicitar consolidação de créditos é 75 anos;
- Ter um emprego estável e um historial de cliente de confiança podem ser fatores decisivos na aprovação do crédito. Caso esteja desempregado, numa situação de emprego precário ou se for considerado um cliente de risco, a probabilidade de a entidade bancária recusar o seu pedido é elevada.
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Renegociação de créditos: os cuidados a ter
A renegociação ou a consolidação de créditos permitem-lhe ter mais liquidez mensal. No entanto, é importante não encarar esta liquidez como mais dinheiro disponível para gastar. Tenha particular cuidado com esta situação, pois, em tempo de incerteza é preciso acautelar imprevistos e não esquecer que, apesar da folga orçamental, continua a estar endividado.
Por essa razão, o nosso conselho é que destine grande parte desse dinheiro a uma conta-poupança, que possa funcionar quer como fundo de emergência para uma necessidade, quer como o início de um plano para amortizar créditos.
Se optar por amortizar créditos, João Morais Barbosa aconselha seguir a estratégia a que chama de Debt Tsunami. Consiste em ordenar os seus créditos, essencialmente os pessoais e os montantes do cartão de crédito, por ordem do montante mais baixo ou da taxa de juro mais alta. Foque-se na amortização do primeiro.
Assim que esteja liquidado, com o valor da prestação que deixou de pagar amortize o seguinte. Rapidamente, verá o impacte deste exercício no pagamento dos juros que reduzem, ao mesmo tempo que permitem reduzir a sua taxa de esforço.
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