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Lidar com uma herança pode parecer um desafio, mas compreender os diferentes tipos de herdeiros e as regras de partilha em Portugal torna o processo mais simples e transparente. Afinal, organizar o património deixado por um ente querido é também uma forma de honrar a sua memória.
Desde a sucessão legítima, que ocorre por força da lei, até à possibilidade de deserdar um herdeiro, o tema envolve nuances que exigem atenção. Seja através da sucessão legítima ou testamentária, o importante é garantir que os bens são distribuídos de forma clara e conforme a vontade do falecido.
Esclarecemos quem pode herdar e quais as regras de partilha da herança.
Compreender a herança
Quando alguém morre, os seus bens e as suas dívidas passam a pertencer aos seus herdeiros. A este processo chama-se sucessão e pode ocorrer por três vias:
- Por lei (sucessões legais), por exemplo, através do casamento, do parentesco e da adoção;
- Por testamento, ou seja, tendo por base a vontade do falecido;
- Por contrato (por exemplo, através de pactos sucessórios), tendo também por base a vontade do falecido.
Com a morte, os herdeiros são chamados à sucessão, ou seja, a ocupar o lugar da pessoa que faleceu, ainda que possam mais tarde decidir rejeitar (repudiar) a herança.
Sempre que, na sequência de um falecimento, existem bens para partilhar, é necessário proceder à habilitação de herdeiros, um procedimento fundamental que permite a identificação dos herdeiros, o registo dos bens e a sua partilha por todos.
Como saber se existe testamento? |
Que tipos de sucessão existem?
De acordo com a lei, a sucessão pode ser:
- Legítima: existe a possibilidade de ser modificada pela vontade do falecido. Ou seja, as regras para a divisão da herança entre os herdeiros legais (como cônjuge, filhos, pais) só serão aplicadas se o falecido não tiver deixado um testamento ou outro instrumento válido que distribua os seus bens de forma diferente;
- Legitimária: tem caráter obrigatório e não pode ser alterada pela vontade do falecido. Ou seja, há um conjunto de bens que é legalmente destinado aos herdeiros legítimos.
Que bens podem ser herdados?
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Tome Nota:
Nem sempre os bens de alguém falecido são do conhecimento dos seus familiares. Para descobrir este património após a morte deve seguir determinados passos e contactar diversas entidades.
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Quem administra a herança?
O cabeça de casal é a pessoa responsável pela gestão da herança indivisa (por partilhar) até à sua partilha. Assume a função de cabeça de casal, por esta ordem:
- O cônjuge, desde que não estejam separados, se for herdeiro ou tiver meação nos bens do casal;
- O testamenteiro, salvo declaração do falecido em contrário;
- Os parentes que sejam herdeiros legais;
- Os herdeiros testamentários.
Se existir testamento, no dia da leitura, que deve ser feita em voz alta, pelo notário, devem estar presentes os interessados ou os seus representantes e as testemunhas.
É possível deserdar um herdeiro?
O deserdado perde o direito à parte legítima da herança que a lei garante aos herdeiros legitimários. Além disso, o deserdado é tratado como “indigno” para todos os efeitos legais. Isto significa que não pode herdar nada, nem mesmo por outros meios. Se alguém acredita que a deserdação foi injusta ou baseada em causa falsa, pode impugná-la. Dispõe de 2 anos, após abertura do testamento. |
Herdeiros legítimos e herdeiros legitimários: quem são e a que têm direito?
Saiba quem é considerado herdeiro, legítimo e legitimário, quem são os legatários, quem tem prioridade sobre quem, e a que parte da herança têm direito.
Herdeiros são aqueles que recebem a totalidade ou parte do património do falecido, assumindo a responsabilidade pelos seus bens e pelas suas dívidas, salvo se aceitarem a herança a benefício de inventário. Podem ser herdeiros legítimos e legitimários (por lei) ou herdeiros testamentários (designados pelo falecido em testamento).
O que significa aceitar a herança a benefício de inventário? |
Herdeiros legítimos: são os chamados à sucessão legítima, quando o falecido não deixou testamento válido ou quando este não abrange a totalidade da herança. Podem herdar o património os seguintes parentes, por esta ordem:
- Cônjuge e os descendentes (filhos ou netos da pessoa falecida, se não houver filhos);
- Cônjuge e os ascendentes (pais ou avós da pessoa falecida, se não houver pais);
- Irmãos e seus descendentes (sobrinhos);
- Outros familiares até ao quarto grau (primos direitos, tios-avós e sobrinhos-netos do falecido);
- Caso não se verifique nenhuma destas situações, o Estado torna-se no herdeiro.
Herdeiros legitimários: existindo testamento, são os herdeiros com direito à parte da herança de que o falecido não pode dispor livremente (designada legítima ou indisponível), por lhes ser reservada por lei. Inclui cônjuge, os descendentes e os ascendentes (pela ordem e regras estabelecidas para a sucessão legítima)
Herdeiros testamentários: aqueles que são abrangidos pelo testamento na quota disponível.
O que é a quota disponível
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Legatários
Existe ainda a figura do legatário. Ou seja, quem recebe bens ou valores específicos deixados pelo falecido, como por exemplo, um carro, uma joia, uma quantia em dinheiro. Os legatários, ao contrário dos herdeiros, não respondem diretamente pelas dívidas do falecido.
Há também a possibilidade de se herdar o direito de usufruto de determinado bem, durante determinado período.
Tome Nota:
Um usufrutuário é considerado um legatário (n.º 4 do Artigo 2030.º do Código Civil), podendo usufruir de um bem específico, um imóvel por exemplo, ou de uma quantia de dinheiro.
Comunhão de bens ou Separação de bens
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Herdeiros legítimos: a que têm direito?
Quando quem faleceu não deixa indicações válidas, como um testamento, por exemplo, ocorre a sucessão legítima. Os herdeiros legítimos são chamados pela seguinte ordem:
- O cônjuge e descendentes (filhos, netos, bisnetos);
- O cônjuge e ascendentes (pais, avós), se não houver descendentes;
- Irmãos e seus descendentes (sobrinhos), na falta dos anteriores;
- Outros parentes colaterais até ao 4.º grau (primos direitos, por exemplo);
- O Estado, no caso de inexistência de todos os herdeiros anteriores.
O cônjuge faz parte da primeira classe de sucessão apenas se houver descendentes. Caso contrário, integra a segunda classe com os ascendentes.
Herdeiros legítimos: a que têm direito?
A herança é dividida por pessoa. Divide-se a herança em tantas partes quantos forem os herdeiros. Apresentamos um resumo na tabela.
Herdeiros legítimos | Quem são | Regra de divisão da herança |
1.ª Classe: cônjuge e descendentes |
| A herança é dividida em partes iguais entre todos os herdeiros. O cônjuge recebe pelo menos um quarto da herança (nunca inferior). Se houver 4 ou mais filhos, o cônjuge recebe quarto da herança e o restante é dividido igualmente entre os filhos. |
Descendentes do 2.º grau |
Netos ou bisnetos (filhos dos filhos que não podem ou não querem aceitar a herança) | Substituem os pais na sucessão, herdando a parte que caberia ao pai ou mãe. A divisão segue as mesmas regras aplicadas aos filhos. |
2.ª Classe: cônjuge e ascendentes |
| Cônjuge: recebe dois terços da herança. |
3.ª Classe: Irmãos e seus descendentes |
| Irmãos germanos recebem o dobro do quinhão dos irmãos consanguíneos ou uterinos. |
4.ª Classe: outros colaterais até ao 4.º grau |
Sobrinhos (descendentes dos irmãos), tios, primos, por exemplo | Têm preferência os mais próximos em grau de parentesco. A herança é dividida em partes iguais entre herdeiros da mesma classe. |
5.ª Classe: Estado |
O Estado só é chamado se não existir nenhum herdeiro das classes anteriores. | O Estado herda a totalidade da herança. |
Herdeiros legitimários: a que têm direito
A sucessão legitimária refere-se à parte da herança de que o falecido não pode dispor livremente. Está reservada, por lei, aos herdeiros legitimários. Essa parte da herança designa-se legítima ou quota indisponível.
São herdeiros legitimários o cônjuge; os filhos e outros descendentes (netos, por exemplo); os pais e outros ascendentes (avós, por exemplo).
Como é feita a distribuição?
Herdeiros legitimários | Situação | Parte na herança (legítima) | Quota disponível |
Cônjuge | Se o falecido não deixar filhos nem pais vivos |
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Metade da herança |
Cônjuge e Filhos | Se existirem filhos | Dois terços da herança (cônjuge e filhos juntos) |
Um terço da herança |
Filhos (sem cônjuge sobrevivo) | Se houver apenas um filho | Metade da herança | Metade da herança |
Se houver dois ou mais filhos | Dois terços da herança | Um terço da herança | |
Descendentes do 2.º grau e seguintes | Netos ou bisnetos (em vez dos filhos que não puderem ou não quiserem herdar) |
Direito à mesma legítima que ao ascendente direto (pai ou mãe) |
Depende da situação acima |
Cônjuge e ascendentes (pais, avós) | Cônjuge e ascendentes concorrendo juntos |
Dois terços da herança | Um terço da herança |
Ascendentes (sem cônjuge ou descendentes) | Se forem apenas os pais | Metade da herança | Metade da herança |
Se forem ascendentes do 2.º grau ou seguintes | Um terço da herança | Dois terços da herança |
Unidos de facto: a que têm direito?
Quem vive em união de facto só pode ter direito a herdar do seu parceiro se este tiver deixado essa vontade em testamento. No entanto, terá sempre de ser respeitada a quota indisponível.
Se o falecido era proprietário da casa onde residiam, o unido de facto pode manter-se na casa durante cinco anos. Caso a união tenha durado mais de cinco anos, o direito mantém-se por tempo igual à duração da união. Este período pode ser prolongado se provar que tem dificuldades financeiras.
Um unido de facto que queira deixar os seus bens ao companheiro deve fazê-lo em testamento, contudo, uma parte é obrigatoriamente destinada aos herdeiros legitimários.
Quem não pode herdar?
De acordo com o Código Civil, não podem ser herdeiros:
- Animais: não têm personalidade jurídica e, portanto, não podem ser herdeiros. A lei exige que o beneficiário seja uma pessoa física ou jurídica com capacidade legal para adquirir direitos;
- Pessoas jurídicas extintas: uma entidade ou empresa só pode herdar se estiver legalmente constituída e reconhecida à data da abertura do testamento. Se for extinta antes da abertura da sucessão, não pode herdar;
- Pessoas consideradas “indignas” que foram deserdadas, ainda que sejam indicadas como beneficiárias num testamento ou legalmente;
- Cônjuge divorciado ou separado judicialmente: não pode herdar se, à data da morte, estiver divorciado ou separado por sentença transitada em julgado ou venha a transitar;
- Herdeiros que renunciam à herança: um herdeiro pode renunciar à herança voluntariamente. O direito de aceitar caduca após 10 anos a contar do momento em que o herdeiro tomou conhecimento da herança;
- Pessoas não concebidas (conceturos): só podem herdar se forem filhos de uma pessoa viva e determinada à data da abertura da sucessão. Mesmo assim, a sua capacidade sucessória está sujeita a limitações legais;
- Herdeiros incapazes: os incapazes (como menores ou interditos) podem herdar, mas os seus direitos são exercidos por um representante legal (pai, mãe, tutor ou curador). Não podem gerir diretamente a herança até à maioridade ou ao recuperar a capacidade civil.
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A informação deste artigo não constitui qualquer recomendação, nem dispensa a consulta necessária de entidades oficiais e legais.