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A insolvência pessoal é acompanhada muitas vezes de um pedido de exoneração do passivo restante. Ou seja, da libertação das dívidas que não forem pagas durante o processo de insolvência, permitindo à pessoa recomeçar a sua vida sem esse encargo.
Apesar de a possibilidade existir, há que cumprir vários critérios para conseguir o perdão de parte das dívidas. Se está numa situação financeira delicada e pondera requerer a insolvência pessoal, saiba como pode beneficiar da exoneração do passivo restante e o que fazer para garantir que lhe é concedida.
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O que é a insolvência com exoneração do passivo restante?
Perante uma situação de insolvência pessoal, o devedor tem duas hipóteses.
Uma é apresentar um plano de pagamentos.Se este plano para a reestruturação da dívida for aprovado pelos credores e homologado pelo tribunal, o devedor evita a liquidação do seu património, mas mantém a obrigação de pagar a dívida.
Outra é a insolvência pessoal com a exoneração do passivo restante. Neste caso, o devedor beneficia de um perdão das dívidas que não sejam totalmente pagas no processo de insolvência (ou seja, após a venda dos seus bens) ou nos três anos seguintes ao encerramento do processo. Em contrapartida, durante esses três anos, designados de período de cessão, é obrigado a entregar os rendimentos auferidos ao administrador judicial, ficando apenas com o necessário para manter a sua subsistência.
Esta oportunidade de recomeçar a vida financeira sem mais encargos, comporta, no entanto, uma série de obrigações e não está acessível a todos.
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Quem pode requerer a exoneração do passivo restante?
Apenas as pessoas singulares podem requerer a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo ou nos três anos seguintes ao seu encerramento.
Como fazer o pedido de exoneração do passivo restante?
A exoneração do passivo restante pode ser pedida juntamente com a petição inicial. Isto é, quando o devedor faz a apresentação à insolvência. Caso não tenha sido sua a iniciativa do processo de insolvência, o pedido de exoneração pode ser feito nos 10 dias que se seguem à citação. Ou seja, à notificação de que foi intentado um processo contra si.
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Apresentação à insolvência e insolvência requerida: qual é a diferença?
Um processo de insolvência pode ter início através de um pedido de insolvência feito por um credor ou credores (insolvência requerida) ou por iniciativa do próprio devedor. Neste último caso, trata-se de uma apresentação à insolvência. O processo de apresentação à insolvência é mais rápido e simples do que a insolvência requerida. Dispensa procedimentos como a citação do devedor ou a oposição à insolvência. Por se tratar de um processo judicial, a apresentação ou o requerimento de insolvência devem ser feitos por um advogado através do portal Citius, uma plataforma do Ministério da Justiça. Caso não tenha meios, pode pedir apoio judiciário.
O pedido de exoneração deve incluir a declaração de que o devedor preenche os requisitos necessários e se dispõe a observar todas as condições exigidas para poder solicitar a insolvência com exoneração do passivo restante.
Cabe, depois, ao juiz aceitar ou rejeitar o pedido. Este pode rejeitar (indeferir liminarmente) se o requerimento for apresentado fora do prazo ou se o devedor não respeitar os requisitos exigidos.
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O que pode levar à rejeição do pedido de exoneração?
Além da apresentação fora do prazo, o pedido pode ser liminarmente indeferido se o devedor já tiver beneficiado da exoneração do passivo nos 10 anos anteriores ao início do processo de insolvência.
O mesmo sucede se, nos três anos anteriores ao processo, tiver fornecido informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou com o objetivo de evitar pagamentos a essas instituições.
Caso o devedor não se tenha apresentado à insolvência, mesmo sabendo que não teria qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica, o pedido de exoneração será igualmente recusado. O mesmo acontece se constarem no processo, ou forem fornecidos pelos credores, elementos que indiciem a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.
O juiz também pode rejeitar o pedido de exoneração do passivo caso o devedor tenha, nos 10 anos anteriores, sido condenado pelos crimes de insolvência dolosa, frustração de créditos, insolvência negligente ou favorecimento de credores (artigos 227.º a 229.º do Código Penal).
Do mesmo modo, o pedido não é aceite se o devedor, com dolo ou culpa grave, violar, no decurso do processo de insolvência, os deveres de informação, apresentação e colaboração.
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O que acontece se o pedido for aceite?
A decisão do juiz é tomada após audição dos credores e do administrador da insolvência. Se existir um despacho de indeferimento liminar, o devedor terá de saldar a dívida através de um plano de pagamentos.
Se o pedido for aceite, é nomeado um administrador de insolvência e, caso ainda haja bens ou direitos por liquidar, é feita a venda do património e divisão, pelos credores, do montante obtido com aquela venda.
É então encerrado o processo de insolvência e inicia-se o período de cessão.
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Como decorre o período de cessão?
Durante os 3 anos seguintes, os rendimentos são geridos pelo fiduciário, isto é, a uma pessoa escolhida pelo tribunal entre as que estão inscritas na lista oficial de administradores da insolvência. Estes rendimentos servirão não só para pagar aos credores, mas também para saldar as custas do processo.
O que mudou na lei?
A Lei n.º 9/2022 introduziu algumas alterações ao processo de insolvência com exoneração do passivo restante. Uma das principais diz respeito ao período de cessão do rendimento disponível, que foi reduzido de 5 para 3 anos. De acordo com a nova lei, mesmo que durante o período de cessão o devedor viole alguma das suas obrigações, poderá existir uma prorrogação desta fase. Tudo vai depender da sua capacidade de não voltar a falhar. Procure saber mais detalhes sobre o impacte destas alterações aqui.
A cessão abrange todos os rendimentos que o devedor receba durante esse período. Ficará apenas com aqueles que o tribunal considere serem necessários para “sustento minimamente digno” do devedor e do seu agregado familiar. Este valor não pode ser superior a 3 vezes o salário mínimo nacional. O devedor é ainda autorizado a manter um rendimento que lhe permita exercer a sua atividade profissional.
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Quais as obrigações do insolvente durante o período de cessão?
Durante o período de cessão, o devedor não pode ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira e, sempre que o fiduciário ou o tribunal solicitem, deve informá-los sobre o seu património. É ainda obrigado a trabalhar, não podendo abandonar a sua profissão sem um motivo legítimo. Se estiver em situação de desemprego, deve procurar trabalho na sua área mas, não pode recusar um emprego para que seja apto.
Além de entregar ao fiduciário a devida parte dos rendimentos, assim que os receba, tem o dever de o informar, assim como ao tribunal, se mudar de casa ou de condições de emprego. Também não pode fazer quaisquer pagamentos diretamente aos credores da insolvência. Todos os pagamentos têm de ser feitos através do fiduciário.
A remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas são igualmente encargos do devedor.
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A exoneração do passivo pode ser interrompida ou prolongada?
A exoneração do passivo restante pode ser revogada caso se prove que o devedor incorreu nalguma das situações que podem levar à rejeição liminar do pedido de exoneração ou se violar de forma dolosa (isto é com intenção) as suas obrigações durante o período da cessão, prejudicando os credores.
Mesmo que o período de cessão já esteja a decorrer, o juiz pode fazer terminar antecipadamente o procedimento de exoneração a pedido do credor, administrador da insolvência (se estiver ainda em funções) ou do fiduciário, se o devedor violar as suas obrigações ou caso se venha a verificar que não cumpria as condições para a exoneração do passivo.
Por outro lado, o juiz pode, a pedido das mesmas pessoas, decidir prorrogar o período de cessão, até ao máximo de três anos e por uma única vez. No entanto, só o poderá fazer se entender que o devedor tem condições de, neste período adicional, cumprir as suas obrigações.
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Quais as consequências da exoneração?
Se o devedor tiver cumprido todos os seus deveres é proferido o despacho final de exoneração do passivo restante, extinguindo assim as dívidas que ainda não foram pagas. A partir desse momento volta a poder dispor de todos os seus rendimentos.
No entanto, a exoneração do passivo restante não abrange todas as dívidas. As que resultem de pensões de alimentos, indemnizações, multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contraordenações, assim como dívidas ao Fisco e à Segurança Social não se extinguem.
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