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Ser trabalhador independente implica que, tal como os trabalhadores por conta de outrem, ter obrigações fiscais e contributivas. Isto é, o seu rendimento está sujeito ao pagamento de IRS e terá de descontar uma parte do que ganha para a Segurança Social.
As regras para cumprimento destas obrigações são um pouco diferentes das que se aplicam à generalidade dos trabalhadores. Sendo um trabalhador independente, e portanto sem entidade que se responsabilize pelo seu cumprimento, deve conhecê-las para as cumprir dentro dos prazos.
O facto de poder fazer quase tudo online - da emissão de recibos até às declarações para a Segurança Social e Autoridade Tributária (AT) - simplifica bastante o cumprimento destas obrigações.
Quem é considerado trabalhador independente
De acordo com o Guia Prático do Novo Regime dos Trabalhadores Independentes, publicado a 1 de junho de 2023 pela Segurança Social, são considerados trabalhadores independentes as pessoas singulares que exercem uma atividade profissional sem um contrato de trabalho ou um contrato legalmente equiparado. Aqui se inclui quem não está obrigado a prestar o resultado da sua atividade sem que neste âmbito estejam abrangidos pelo Regime Geral de Segurança Social dos Trabalhadores por Conta de Outrem.
Obrigações fiscais dos trabalhadores independentes
Da comunicação da abertura de atividade, ao pagamento de impostos, um trabalhador independente tem diferentes obrigações fiscais a cumprir. Vejamos as principais.
Declaração de início de atividade
A primeira obrigação fiscal de um trabalhador independente é abrir atividade nas Finanças. No fundo está a comunicar ao Fisco que iniciou uma atividade independente. Pode fazê-lo presencialmente ou pela internet, através do portal das Finanças. Confira quais os passos a seguir.
Regime simples ou contabilidade organizada
Os trabalhadores independentes podem ser enquadrados em dois regimes fiscais: o regime simplificado ou o de contabilidade organizada. No primeiro, Os trabalhadores independentes são automaticamente colocados pela AT no primeiro modelo, enquanto o valor anual ilíquido de rendimentos for inferior a 200 mil euros. Acima deste valor, são obrigados a ter contabilidade organizada o que implica a contratação de um Técnico Oficial de Contas (TOC), responsável pelas interações com o Fisco.
Emissão de faturas
Quando termina a prestação de um serviço, o trabalhador independente é obrigado a emitir uma fatura (o chamado recibo verde). As faturas são emitidas através do Portal das Finanças, com a opção de a guardar em formato PDF e enviar para o cliente.
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Retenção na fonte
Tal como os trabalhadores por conta de outrem, os independentes também devem fazer retenção de IRS na fonte. A menos que, no ano anterior, tenham obtido rendimentos inferiores a 13 500 euros.
Nesse caso, a retenção é opcional. Quando há retenção na fonte, uma parte do valor faturado é retida pelo cliente (desde que tenha contabilidade organizada), que a entrega diretamente ao Estado.
As taxas de retenção de IRS aplicadas aos trabalhadores independentes, previstas no artigo 101.º do CIRS, variam em função do tipo de atividade:
- 25% para os rendimentos dos chamados profissionais liberais, como médicos, advogados e arquitetos, entre outros (atividades profissionais previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS e que pode ser consultada aqui);
- 20% para profissionais que não sejam residentes habituais em Portugal e desempenhem atividades científicas, artísticas ou técnicas;
- 16,5% se os rendimentos forem provenientes de propriedade intelectual, industrial ou de prestação de informação;
- 11,5% para trabalhadores independentes cuja atividade não faça parte da lista do artigo 151.º do CIRS e para quem emitiu um ato isolado.
Isenção de IRS
Quando os rendimentos não atingem o mínimo de existência, o contribuinte fica isento de IRS. Em 2022, este valor fixava-se em 9 870 euros. Em 2023, este valor subiu e os contribuintes ficam isentos de IRS se tiverem rendimentos até 10 640 euros.
Entrega da declaração periódica e pagamento do IVA
Se faturou (ou prevê faturar num ano) mais de 13 500 euros, terá de cobrar IVA aos seus clientes, entregando-o depois à AT. Em contrapartida, pode deduzir o imposto suportado em compras relacionadas com a sua atividade profissional.
Além disso, deve:
- Submeter a declaração trimestral periódica do IVA até ao 20.º dia do segundo mês após fecho do trimestre (fevereiro, maio, setembro e novembro);
- Depois de apurado o montante do IVA, o pagamento deve ser feito até ao 25º dia do segundo mês seguinte ao trimestre a que diz respeito. Esta foi uma das alterações que entrou em vigor em 2023 com o alargamento do prazo.
- Caso tenha optado pelo regime mensal, ou o volume de negócios seja superior a 650 mil euros anuais, a entrega é feita até ao dia 20 do segundo mês seguinte àquele a que respeitam as operações. Neste caso, o IVA deve ser pago até ao 25º dia do segundo mês.
O processo é feito online, através da sua página no Portal das Finanças.
Se não atingir um volume de negócios de 13 500 euros anuais ou prestar algum dos serviços previstos no artigo 9.º do Código do IVA fica dispensado desta obrigação.
Tome Nota:
Em 2024, o limite para a isenção de IVA sobe para 14 500 euros e, em 2025, para 15 000 euros.
Justificar as despesas afetas à atividade
Uma das particularidades do IRS dos trabalhadores independentes está relacionada com as despesas.
Para os independentes enquadrados no regime simplificado que exerçam as atividades previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS, apenas 75% dos rendimentos estão sujeitos a imposto. A AT assume que os restantes 25% equivalem a encargos inerentes à atividade.
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Ainda assim, se obtiver rendimentos superiores a 27 360 euros, é necessário justificar essas despesas. Caso contrário, verá o rendimento tributável aumentar e pode acabar por pagar mais IRS. Basta, contudo, justificar o equivalente a 15% do rendimento anual bruto com despesas profissionais.
As despesas devem ser comprovadas por faturas com o número de contribuinte ou outros documentos comunicados à AT. Ao validarem as suas faturas, normalmente até 25 de fevereiro de cada ano, os trabalhadores independentes devem indicar quais as despesas realizadas no âmbito profissional, e se estão total ou parcialmente ligadas à atividade.
ATGo: a app do Fisco para trabalhadores independentes
A ATGo é uma aplicação gratuita, disponível para iOS e Android que permite, por exemplo, emitir e consultar faturas ou saber se tem impostos para pagar. No Manual do Utilizador pode conhecer todas as funcionalidades disponíveis.
Entrega da declaração de IRS
A declaração de rendimentos dos trabalhadores independentes tem os mesmos prazos e procedimentos da dos trabalhadores por conta de outrem. É submetida online, entre 1 de abril e 30 de junho de cada ano.
Os trabalhadores independentes com rendimentos da categoria B (regime simplificado) devem preencher o Anexo B. Terão igualmente de preencher o anexo SS, identificando os clientes para quem trabalharam e os valores auferidos. Alguns trabalhadores independentes já estão abrangidos pelo IRS automático, por isso o processo é mais simples.
Os trabalhadores com regime de contabilidade organizada preenchem o Anexo C, sendo que a declaração deve ser entregue pelo contabilista.
O que se passa com o anexo SS?
Em cada declaração de rendimentos, os trabalhadores de rendimentos devem entregar o seu anexo SS. Esta declaração identifica as entidades contratantes de cada trabalhador economicamente dependente, assim como a sua obrigação contributiva. Esta declaração é crítica para a proteção social do trabalhador a recibos verdes. Nomeadamente, nos casos em que cessa atividade. É que sem esta declaração, não pode aceder ao subsídio de desemprego.
A obrigação de preenchimento do quadro 6 do anexo SS, onde se apresentam as entidades contratantes, visa os trabalhadores que acumulam as seguintes condições:
- Prestam serviços (a pessoas coletivas e singulares com atividade empresarial, desde que não seja a título particular;
- Estejam sujeitos à obrigação contributiva com rendimento anual igual ou superior a 6 vezes o valor do IAS (2.882,58 €, em 2023);
- Obtenham mais de 50% dos seus rendimentos de uma única entidade adquirente.
Existem, contudo exceções para esta obrigação que pode conhecer aqui.
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Obrigações contributivas: quais são?
Os trabalhadores independentes têm de declarar os rendimentos obtidos à Segurança Social e pagar a contribuição correspondente, garantindo assim proteção na velhice, doença, desemprego ou parentalidade. Vejamos cada uma destas obrigações em detalhe.
Inscrição na Segurança Social
A inscrição é feita automaticamente, quando a AT comunica à Segurança Social o início de atividade, fornecendo-lhe todos os elementos de identificação do trabalhador independente.
A partir desses dados, a Segurança Social faz a inscrição do trabalhador e o enquadramento no Regime dos Trabalhadores Independentes, mesmo que se encontre em condições de isenção de pagamento de contribuições. O trabalhador independente é depois notificado da respetiva inscrição e enquadramento.
Entrega da declaração trimestral
Os trabalhadores independentes devem também declarar trimestralmente os seus rendimentos à Segurança Social. A declaração trimestral deve ser entregue até ao último dia de janeiro, abril, julho e outubro, indicando os rendimentos obtidos nos 3 meses anteriores.
Se está a iniciar atividade como trabalhador independente, tem 12 meses de isenção de contribuições para a Segurança Social.
Tome Nota:
Se não entregar a declaração trimestral, pode ter de pagar uma multa entre os 50 e os 250 euros.
Isenção do pagamento de contribuições à Segurança Social
- Ao acumular atividade independente com atividade por conta de outrem, os independentes podem ficar isentos das contribuições à Segurança Social e de entregar a declaração trimestral, se a remuneração mensal média por conta de outrem for igual ou superior a 1 vez o valor do indexante de apoios sociais (IAS);
- O rendimento relevante mensal médio do trabalho independente, apurado trimestralmente, deve ser inferior a 4 vezes o IAS (1 921,72€);
- Os trabalhadores independentes podem optar pela fixação de um rendimento relevante superior ou inferior, em intervalos de 5%, até 25%, nas suas declarações trimestrais. O mínimo previsto é de 20 €. Já o valor máximo permitido, em 2023, é de 5 765,16€ (12 vezes o IAS);
- Subsídio por cessação de atividade, enquanto trabalhador independente, cujo limite máximo passou de 1 108 euros para 1 201,08€ (2,5 vezes o IAS);
- Se a atividade profissional for legalmente cumulável com as respetivas pensões, a isenção aplica-se a pensionistas de invalidez ou de velhice de regimes de proteção social, nacionais ou estrangeiros;
- Aplica-se ainda a titulares de pensão, resultante da verificação de risco profissional, com incapacidade para o trabalho igual ou superior a 70%.
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Entrega da declaração anual
Se no ano anterior entregou pelo menos uma declaração trimestral, em janeiro tem de apresentar a declaração anual. Aqui tem a possibilidade de corrigir as declarações entregues no ano anterior ou de entregar alguma em falta.
Pagamento de contribuições
Com base nos rendimentos da última declaração trimestral, é determinado quanto vai pagar mensalmente de contribuições ao longo dos 3 meses seguintes.
Este cálculo é feito tendo em conta o rendimento relevante, correspondente a uma percentagem do que faturou. Essa percentagem varia conforme o tipo de atividade:
- 70% do valor total de prestação de serviços;
- 20% dos rendimentos associados à produção e venda de bens;
- 20% sobre a prestação de serviços no âmbito de atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas.
Sobre este valor é aplicada uma taxa contributiva de 21,4%. Vejamos um exemplo:
- Um prestador de serviços faturou 1 500€ em janeiro, 500€ em fevereiro e 1 000€ em março;
- A soma destes valores (3 000€ ) é dividida por 3, para calcular o rendimento relevante mensal;
- O rendimento relevante corresponde a 700€ (70% de 1 000€);
- A estes 700 euros aplica-se a taxa de 21,4% (700 euros x 21,4%);
- A contribuição mensal a pagar durante o próximo trimestre é de 149,80€;
- Tem a opção de reduzir ou aumentar esta contribuição em intervalos de 5%, até ao limite de mais ou menos 25%.
O pagamento desta contribuição deve ser feito entre 10 e 20 de cada mês. Pode pagar através do multibanco, débito direto, ou nas tesourarias da Segurança Social.
Tome Nota:
A entrega da declaração trimestral e as suas interações com a Segurança Social decorrem sobretudo através da Segurança Social Direta. Se ainda não tem senha de acesso, pode pedir aqui
Seguro de acidentes de trabalho é obrigatório
Os trabalhadores independentes são obrigados, por lei, a ter um seguro de acidentes de trabalho. Contratado pelo próprio trabalhador é, na generalidade, semelhante ao seguro do trabalhador por conta de outrem. O objetivo é garantir que, em caso de acidente de trabalho, os trabalhadores independentes e os seus familiares têm direito às respetivas indemnizações.
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